quinta-feira, 11 de agosto de 2011

                                     LEVI O LEPROSO


                     (Do Livro Contos do Entardecer – Capítulo IV – de Jansen Leiros – 1983)

Havia verdadeiro tumulto na praça fronteiriça à Sinagoga. Um rapaz que apresentava pouco mais de quinze anos, encontrava-se caído na calçada. Muitas pessoas o cercavam. Um senhor já idoso, tomou-lhe o pulso e falou: - Foi uma lipotímia. Era José de Arimatéia, médico do lugar. Muito forte, colocou o rapaz nos braços e atravessou a praça, acompanhado de pequena multidão de curiosos. Entraram num prédio de portas muito altas e paredes alvas. Era a casa do médico. Horas depois, o rapazola atravessava os umbrais do solar, já refeito ao lado daquele que prestimosamente o atendera. Despediu-se e caminhou para a saída norte da cidade, desaparecendo pela estrada que levava a Betânia.
Levi era um pobre rapaz, filho de um pastor das cercanias. Sua infância fora sofrida. Enfermiço de nascimento, aos três anos tornou-se órfão de mãe, e desta não guardava nenhuma recordação. Suas irmãs mais velhas, Miriam e Rachel, passaram a cuidar dele com muito carinho e fraternal ternura. Todavia, as privações eram sem conta. O velho pastor havia perdido a quase totalidade de seu rebanho: parte pelas epidemias que grassavam pela região, parte pelos roubos freqüentes; e, finalmente, pelos constantes ataques das alcatéias famintas.
A miséria instalara-se naquele lar. Mirim e Rachel ainda muito jovens, dedicaram-se aos trabalhos de tapeçaria para remediar o sustento da família.
Levi cresceu assim, curtindo seu espírito nas dificuldades mais duras, enfrentando toda sorte de adversidades. Seu corpo era débil, esquálido, maçãs pronunciadas, nariz aquilino, olhos nublados pelas lágrimas freqüentes e depressivas.
Aos doze anos em pleno mercado, quase tentava vender alguns tapetes fabricados pelas suas irmãs sentiu-se desfalecer e caiu sem forças sobre as peças que transportava. Os circunstantes lhe atenderam de imediato. Transportaram-no até sua casa, onde as irmãs lhe tentaram reanimar com um caldo quente, desdobrando-se em cuidados e atenções.
Essa foi a primeira de uma série de síncopes que Levi sofreu, até o evento da Sinagoga. Era epilepsia (era a terrível doença de José de Arimatéia não quisera revelar de público, quando lhe atendera frente à Sinagoga). Tal o carma que trazia do passado, em fase de ressarcimento.
Naquele dia, após atendê-lo, José de Arimatéia, espírito humano e lúcido, dera-lhe a condição de procurar os essênios – que já àquela época haviam desenvolvido métodos de cura de epilepsia – a fim de que submetesse às experiências exóticas de seu ritual, objetivando curar-se.
Levi tomou o caminho de Betânia e se foi com o coração cheio de esperanças.
Alguns anos se passaram. Mirim e Rachel tornaram-se duas lindas mulheres, de olhos ternos e traços fidalgos, malgrado as privações que passavam. Dedicavam-se ao lar e ao pobre pai que guardava o leito, moribundo. A resignação de ambas era impressionante. Além disso, eram serenas, humildes no comportamento e nobres nos sentimentos. Uma saldade muito grande, porém, lhes oprimia os corações, pela ausência de Levi, por mais de quinze anos, desde que partira em busca dos essênios.
Naquela época, toda a região comentava a existência de jovem rabi galileu, possuidor de poderes sobrenaturais, que curava aleijados, dava luz aos cegos, limpava leprosos e possuía uma palavra fácil, doce e terna, séria e sábia, incisiva e profunda.
Miriam e Rache, espíritos em fase de aprimoramento de santificantes valores, sentiram-se atraídas a conhecer o já famoso nazareno: foi-lhes acontecimento ímpar. Suas palavras ficaram profundamente gravadas em seus corações e elas, profundamente agradecidas a Deus por esse encontro.
Levi, bem distante, se havia integrado aos costumes essênios. Os ataques epilépticos não o haviam visitado mais. Tudo fazia crer que estivesse curado. Levi, entretanto, trazia consigo as marcas de um passado escabroso, despótico, cruel e avassalador. Muito devia à vida. Assim, cumprindo-se um desígnio de Deus, fora acometido do mal de Hansen. As primeiras chagas lhe surgiram no corpo e rapidamente se multiplicaram.
Levi, vaidoso no íntimo, envolveu-se nos mantos essênios que passara a usar e tendo ouvido falar do Mestre Galileu, resolveu empreender a longa viagem de volta, em busca da cura do corpo.
Miriam e Rachel estavam integradas com numeroso grupo que assistia às pregações do Nazareno. Inclusive, Dele se havia aproximado, tornando-se discípulas muito amadas e fies aos princípios da boa nova.
Certo dia, quando a multidão subia o monte para ouvir o sermão do Galileu, entrou pelo portão norte da cidade, um homem, ainda jovem, cabelos à altura dos ombros, prematuramente grisalhos, manto longo e alvo, escondendo o magérrimo corpo chagado. Passou pela Sinagoga, caminhou pela praça do mercado e dobrou a primeira esquina, encaminhando-se para a modesta casa de Miriam e Rachel. Era Levi que voltava. A casa estava vazia. O pai havia morrido e elas ali continuavam, agora consoladas pela amável doutrina do “Amai-vos”. Ele sentou-se em tosca cadeira e adormeceu.
Alta noite , retornaram Miriam e Rachel, enternecidas e enlevadas com a palavra divina do Mestre. Ao entrarem na casa, surpreenderam-se com a inusitada visita, surpresa transformada em alegria, quando reconheceram Levi, o irmão querido que voltara.
Levi logo entrosou-se no movimento, aderindo à filosofia do Rabi e, sem que se desse conta, o contato com o nazareno fez desaparecer, aos poucos, a repugnante lepra que lhe martirizava o corpo e a alma.
Mas Levi, no inconsciente, sabia que ainda não havia chegado sua redenção. Havia muito do que pagar do passado longínquo.
O tempo caminhando. O Mestre, em andanças pela Judéia. Durante sua ausência, Levi foi acometido de estranho mal, que o prostrou. E, ao cabo de poucos dias, faleceu. A notícia espalhou-se, célere. Seu funeral aconteceu dentro dos costumes hebreus. Ao final das exéquias, Miriam e Rachel retornaram para casa, desoladas e chorosas.
O Nazareno descia a estrada norte, acompanhado de seus discípulos e alguns romeiros. Ao passar pelo portão norte, encontrou Miriam que chorava e abraçou-se a Ele com soluços.
O Mestre, então, encaminhou-se à sepultura. Determinou que fosse removida a pedra e, erguendo os olhos para os céus, balbuciou uma prece.
Diante do assombro da multidão, Levi levantou-se, envolto nas mortalhas de linho e todo o mundo presenciou poder divino do Mestre, a força do Amor Universal do Divino Rabi. A alegria e a emoção tomaram conta da cidade.
Anos depois, morria Levi, desta vez sem ressurreição do corpo. Miriam e Rachel lhe haviam antecedido na viagem.
Despertando após o desenlace, Levi sentiu-se envolvido em carinhoso abraço, num ambiente que era de profunda Paz. Miriam irradiava maravilhosa luz branca; Rachel se iluminava em prece. Do alto, uma chuva de luz prateada precedera e descia de brilhante entidade.
Levi olhou aquele anjo e o reconheceu, caindo aos seus pés em pranto copioso, fruto de incontida alegria. Passando a mão, carinhosamente, sobre sua cabeça, falou-lhe o ser angelical: - ION amado, resgataste pelo sofrimento parte de teu carma. Agora, deverás te preparar para novas experiências, novos testes, difíceis e pesados, que hão de requerer de ti muita coragem e discernimento. Vai, acompanha tuas irmãs, elas serão teus anjos guardiões para novas oportunidades. Jesus nos abençoa.





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