FERNANDO, UM PRÍNCIPE SOLITÁRIO
(Do Livro Contos do Entardecer – Capítulo IX – de Jansen Leiros – 1983)
Os jardins do palácio estavam iluminados. Todos os lampiões acesos. Muitas carruagens estacionadas no pátio fronteiriço. O grande salão fora aberto para a festa de noivado de Joanna de Sevilha – filha natural do Rei e uma monja mauritana. Os convidados chegavam em belas carruagens e os jardins pareciam uma aquarela, tais os matizes das ricas toaletes. A alegria era contagiante.
O casamento de Joanna fazia parte do esquema político do Rei, que desejava conquistar toda a península, através dos casamentos de seus filhos – O Rei era pródigo em paternidade. Além de seus nove filhos legítimos, doze eram naturais e a todos assistia com o mesmo carinho paternal, malgrado os comentários maledicentes.
Nos portões da guarda, entretanto, não havia tanta euforia. Dois jovens cavalheiros conversavam algo contrariados. Eram Fernando e Eduardo. O primeiro, barão de Monte-Blanco – um dos filhos naturais do Rei e irmão germano da noiva. O segundo, duque da Mauritânia, sobrinho do Rei. Eles comandavam a guarda do palácio.
Naquela noite, O rei fora avisado de que grupos descontentes com aquele noivado, prometiam estragar a festa. Por essa razão, destacou o filho, então coronel da cavalaria real, para comandar o policiamento do palácio, juntamente com seu primo Eduardo, capitão da guarda, pelo senso de disciplina que possuíam. Essa determinação, entretanto, desagradou a Fernando, que alimentava esperanças de cortejar Isabel, condessa de Porto Saraiva, cuja família fora convidada para a cerimônia do noivado.
Mas, jovem de bom caráter e disciplinado, logo conformou-se com a missão que lhe fora confiada. Ele e Eduardo, então resolveram esgrimir um pouco, para esquecerem o sangue naquela noite fria. E os jardins transformaram-se em palco da belíssima demonstração de suas habilidades com florim.
Fernando era um belo rapaz. Longilíneo, tez morena, cabelos castanho-alourados, olhar muito vivo e penetrante. Personalidade forte, embora fino e educado, inteligente, simpático, insinuante e algo convencido – um autêntico cavalheiro. Perfeccionista por índole, mas diplomático no trato, tornou-se conselheiro do Rei para assuntos político-administrativos, o que lhe assegurou, mais tarde, a nomeação para o cargo de embaixador do reino em países vizinhos.
O que mais se admirava em sua personalidade era a capacidade de ouvir com serenidade qualquer interlocutor e, em seguida, quando lhe concediam a palavra, argüir com tal segurança que chagava a dominar as situações mais difíceis. Sua lucidez impressionava.
Sua beleza máscula tornara-o cobiçado pelos melhores partidos. Seu pai tinha planos para seu futuro, nos quais incluía um casamento com uma princesa italiana, para onde desejava estender os domínios de seu reino. Fernando, porém, somente alimentava sentimentos para a bela Isabelita – a condessa de olhos ternos. Seu amor era sincero e nenhuma outra mulher lhe havia prendido tanto a atenção. Isabel, todavia, não correspondia à sua corte.
Por outro lado, o pai da Isabel não via com bons olhos aquela inclinação de Fernando por sua filha, principalmente porque já a havia prometido ao duque da Áustria, Dom Felipe, troca de certos favores – o casamento beneficiaria à família da noiva. Em face disso, resolvera mandá-la para Castela, depois para Paris, onde residiam parentes seus, evitando que se fortalecessem os laços afetivos de Fernando e que Isabel não lhe resistisse à corte. A condessa viajou, retornando anos depois, casada.
Fernando, além dos óbices naturais que o problema lhe interpunha ao caminho, sentia-se pouco motivado para empreender uma luta pelos seus anseios, porque não estava seguro dos sentimentos de Isabel e ele sabia respeitar as opiniões oponentes com muita nobreza de caráter. Daí, envolveu-se em profunda depressão. Desejou partir para as terras de além-mar, há pouco descobertas. Seria um pioneiro.
O pai demoveu-lhe a idéia de partir, prometendo interceder junto ao pai de Isabel, mas foram debalde os esforços do Rei. Isabel desposara o duque da Áustria, o que valeu à família um título de nobreza – o grande sonho do velho burguês.
Fernando definhava. A vida, para ele, não tinha mais sentido. Suas noites eram povoadas de pesadelos e seus dia tão insípidos que o belo príncipe tornou-se taciturno e apático. Na verdade, Fernando jamais se ligara a ninguém. A vida lhe testaria na solidão, pois outrora abusara das ligações afetivas (essa intuição lhe surgia quase nítida na tela de sua mente). Ele se acabrunhava e sofria. O Rei, que o amava muito, também entristecera e se desdobrou em cuidados paternais.
Fernando isolou-se na mansão campestre da família de sua mãe, aliás, herança sua. Lá, dedicou-se aos estudos filosóficos, passando noite e dia a compulsar pesados compêndios e a corresponder-se com os mais conhecidos pensadores da época. Noutras ocasiões, perambulava pelos campos e cavernas das cercanias, selecionando e colhendo espécies vegetais ou caçando animais silvestres para domesticá-los. Certo dia recebeu a visita da Rainha, esposa de seu pai e a presenteou com um belo casal de faisão, de variedade rara, fruto de acasalamentos por ele controlados. A Rainha ficou tão agradecida que lhe retribuiu com belíssimas sedas, vindas do oriente.
A tristeza, porém, era companheira inseparável de Fernando. Dois anos depois havia definhado tanto, que fora removido quase sem forças para o palácio do Rei, onde veio a falecer. Morrera de tristeza. Toda a corte chorou o desaparecimento daquele jovem de rara beleza, de contagiante simpatia, que a conquistara definitivamente.
Seu espírito escreveu um giro espiral ascendente e, atravessando dimensões, chegou às margens de sereno lago astralino. Sentou-se calmamente na relva macia e olhou o céu. As lembranças desfilavam em sua mente espiritual, projetadas de um passado distante. Surgia-lhe imponente e colossal Capela, reinando em seu sistema, caminhando pelo Universo de Deus, como, um dia, caminhará nosso sol após o entardecer. Seguia-se o exílio: o antigo Egito, a Tessália, a Judéia, as costas da Guiné, as paisagens bucólicas da Península Ibérica, os escaldantes desertos da Arábia. Os acertos e desacertos de suas vidas. A soma de débitos contraídos. Os sofrimentos; suas revoltas; por fim alguns ressarcimentos pela dor. A dor que ensina e elucida as almas.
Sobre as águas tranqüilas do lago, levitavam três entidades luminosas em sua direção. Fernando, reconhecendo a estrela cintilante que se fazia guia e que chegara ali, ergueu-se e abraçou-a comovido. Em seguida, Mirim e Rachel o envolveram em carinhoso amplexo, felizes e radiantes.
Doce e ternamente, falou a Estrela Guia: ION, filho amado! Venceste mais uma etapa. Repudiado em razão dos laços de teu nascimento, com humildade e simpatia conquistaste os corações endurecidos que te aceitaram e te admiraram a personalidade. Foste testado na solidão e não te revoltaste. Foste ferido nos mais puros sentimentos e não te desesperaste. Foste belo e não abusaste da beleza. Foste senhor, mas não tiveste servos, fizeste amigos sinceros e fies que muito te amam. ION, Jesus te abençoa.
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