sexta-feira, 12 de agosto de 2011


BENEDITO, UM TERRÍVEL LENHADOR

(Do Livro Contos do Entardecer – Capítulo VII – de Jansen Leiros – 1983)

A paisagem era bucólica. Entre duas colinas, serpenteava um rio de águas mansas, refletindo o raiar do sol que nascia.
Benedito subia o caminho da colina, o passo firma em direção à cabana tosca situada no cimo, ponto central de uma clareira aberta na floresta de cedros.
Naquela época do ano, a temperatura era agradável e as noites frescas e tranqüilas. Ele voltava de um banho reconfortante. Forte, espadaúdo, musculoso até, sua pele era alvo-rosada e seus cabelos, negros como o dos povos ibéricos.
Descendente de família pobre, isolada do convívio social pela natureza da ocupação laboral, Benedito não conhecera os bancos escolares, nem fora conduzido ao catecismo. Era rude. Sua alma, todavia, refletia de quando em vez, a lucidez dos sábios.
Ainda muito jovem, costumava sentar-se aos finais de tarde nas pedras da colina, para apreciar o pôr-do-sol e pensar na vida. Trabalhava muito e suas mãos calejadas diziam da dureza do seu empenho.
Uma vez por ano, a família de Benedito descia à aldeia mais próxima para os festejos do Natal. Numa dessas raras ocasiões, quando já contava dezoito anos, foi sua família convidada para a festa de um aniversário. Colocaram as melhores roupas e já se foi ele, ansioso por viver uma experiência nova. Nunca participara de um baile. Apesar de a festa se realizar na aldeia, os anfitriões convidaram autoridades e alguns aristocratas da zona rural que, por interesses políticos atendiam a esses convites.
A festa estava maravilhosa. Benedito não se continha de feliz, quando à sua frente surgiu encantadora donzela. Filha de pais de descendência francesa, Mônica era refinada e fidalga.
Apesar de sua condição, pelo porte, impressionou à mocinha de olhos ternos e, durante a festa, trocaram sorrisos enamorados. E seria tudo um mar de rosas se a gentil senhorita não fosse vítima do condestável e Benedito um mero lenhador. Mal perceberam as trocas de olhares, a linda criança foi-lhe arrebatada à visão enternecida.
Esse fato, de princípio, não afetou tanto a Benedito, que sabia impossível alcançar aquela graça; mas, na solidão da mata e no triste entardecer, sua alma explodia de revolta por ser pobre e lenhador.
Certa feita, quando descansava na colina, sentiu-se levitar pelas relvas; vestia finas roupas e parecia um cavalheiro da mais tradicional nobreza. Do topo da colina ele viu Mônica que descia flutuando, vestido branco esvoaçante a descrever divina coreografia. Abraçaram-se e trocaram carícias enlevadas por tempo que não conseguiu registrar no cronômetro do coração. De repente, porém, corcéis fogosos surgiram de todas as partes e Mônica foi-lhe arrebatada dos braços do pai enfurecido, drástico que era no cumprimento de suas normas éticas. Acordou.
A revolta crescia a cada instante. Benedito não se conformava com a sorte, não aceitava a pobreza, repudiava a família e culminou por repudiar o pai – por ter sido o veículo de seu nascimento.
Anos se passaram, ele se tornou cada vez mais fechado em si mesmo. Profundamente revoltado, transformou-se em perigoso elemento, agressivo e desorientado. Não podia aceitar a felicidade de quem quer que fosse e todo aquele que a desfrutasse ao seu redor, tornava-se alvo de sua inveja e de seu ódio, quase avassaladores.
A vida transcorria normal nos parâmetros limitados de sua família, embora a presença de Benedito fosse sempre um estorvo, pelo ambiente de tensão que o mesmo provocava.
Com o tempo, tornou-se de profundo mutismo. E, nas raras vezes que participava das conversações familiares, era para explodir em terríveis manifestações e agressividade.
A choupana parecia não resistir às intempéries do inverno. A neve pintava de branco os campos verdes e pousava pesadamente no telhado lodacento. Sentada à frente da rústica lareira, uma senhora esquentava um chá. Seu rosto estava contraído e de seus olhos se podia ver o cintilar do ódio. Ódio pela vida, ódio do mundo. Ódio de todos. A tensão fulminou-o. Morreu de revolta o temível lenhador.
Ainda tonto pelo desencarne, Benedito, jazia ao lado do corpo em decomposição. Alma abençoada, entretanto, dele se aproximou a ultimou o desligamento, cortando-lhe o cordão prateado que o prendia ao plexo solar, libertando-lhe o perespírito. Colocaram-no numa maca muito alva e levaram-no. Num ambiente que parecia um ponto aduaneiro, sob suave luz braço-prateada, um ser quase divino dele se aproximou e ouviu-se com ternura: - ION! ION! Por que te revoltaste tanto? Por que não soubeste aproveitar a grande oportunidade da prova concedida? Perdeste mais uma etapa. Contraíste novos débitos que se somaram com os do passado.
Benedito abriu os olhos e, como a reconhecer a alma amiga que lhe falava com doçura, prorrompeu um convulso pranto: - Deus meu! Sou um miserável. Por que não abri os olhos às lições da vida? Por que meu Deus?
E desmaiou pesadamente.

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