terça-feira, 30 de agosto de 2011

ACLA NO CEARÁ-MIRIM



O Ceará-Mirim ganhou na última quarta=-feira a sua Academia de Letras e Artes [ACLA], que nesse dia se instalou em sessão solene e deu posse aos seus primeiros 25 ocupantes. Há muito não se via, na cidade, acontecimento dessa dimensão, especialmente na área da cultura, sempre tão esquecida ou menosprezada pelos pilotos do estado, como diria Shakespeare. Só faltou mesmo a presença do prefeito, que ignorou solenemente o fato; sequer mandou representante ou um mero telegrama, como fazem as pessoas bem educadas no exercício de semelhante função.Idealizada por Pedro Simões Neto que, sem ser filho da terra, viveu parte de sua juventude lá, a ACLA surge cheia de boas intenções e projetos que, se consolidados, restituirão à cidade as suas glórias de um passado em que a cidade podia orgulhar-se de seus intelectuais, entre os quais, Madalena Antunes Pereira, Nilo Pereira, Edgar Barbosa, Rodolfo Garcia e Orlando Dantas, que se tornaram nomes de expressão nacional nas letras literárias e jornalísticas.
Fui com minha prima Maria Antonia, neta de Edgar Barbosa, um dos patronos da mais nova instituição do Rio Grande do Norte e lá tive o prazer de encontrar meus primos maternos e paternos, que lá vivem ou se deslocaram até Ceará-Mirim, para prestigiar esse acontecimento que já faz parte da História.
Planejara escrever sobre o notável acontecem um artigo mais minucioso, porém estou sem condições de fazê-lo, por causa de um derrame ocular. Limito-me a reproduzir a lista de Patronos e Acadêmicos, ou seja, de intelectuais do passado e do presente.

Ei-la:

PATRONOS/ACADÊMICOS

Cadeira n.1 – Nilo Pereira; Vaio César Cruz Azevedo

Cadeira n.2 – Edgar Barbosa; Cléa Bezerra de Melo

Cadeira n.3 – Juvenal Antunes; Paulo de Tarso

Cadeira n.4 – Maria Madalena Antunes Pereira; Lúcia Helena

Cadeira n.5 – Adelle de Oliveira; Ciro Tavares

Cadeira n.6 – Augusto Meira; Emmanuel Cavalcanti

Cadeira n.7 – Rodolfo Garcia; (Reservado para Roberto Furtado)

Cadeira n.8 – Júlio Magalhães de Sena; Gibson Machado

Cadeira n.9 – Inácio Meira Pires ; (Reservado para Múcio Vicente

Cadeira n.10 – Jayme Adour da Câmara

Cadeira n.11 – Padre Jorge O’Grady de Paiva; José de Anchieta Cavalvanti

Cadeira n.12 – Elviro Carrilho da Fonseca

Cadeira n.13 – Herculano Bandeira Melo;

Cadeira n.14 – José Emídio Rodrigues Galhardo; Janilson Dias de Oliveira

Cadeira n.15 – José Alcino Carneiro dos Anjos

Cadeira n.16 – Francisco Pereira Sobral;

Cadeira n.17 Etelvina Antunes Lemos; Sayonara Montenegro Rodrigues

Cadeira n.18 – Antonio Glicério;

Cadeira n.19 – Dolores Cavalcanti;

Cadeira n.20 – Francisco de Salles Meira e Sá; Pedro Simões

Cadeira n.21 – Anete Varela; Francisco de Assis Rodrigues

Cadeira n.22 – Rafael Fernandes Sobral; Franklin Marinho de Queiroz

Cadeira n.23 – José Pacheco Dantas; Leonor Soares

Cadeira n.24 – Manuel Fabrício de Souza (Amarildo)

Cadeira .25 – Bartolomeu Correia de Melo; Ormuz Barbalho Simonetti


SÓCIO HONORÁRO

Diógene da Cunha Lima


SÓCIOS BENEMÉRITOS

José Sanderson Deodato Fernandes de Negreiros

Carlos Roberto de Miranda Gomes

Eduardo Gosson

Jansen Leiros Ferreira


SÓCIO CORRESPONDENTES

Maria Conceição da Câmara (Ceicinha) – Portugal/Vila Bispo

Geraldo Pereira- Pernambuco/Recife

Hammilton de Sá Dantas – Brasília/DF



Jornalista- Franklim Jorge

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

JOSÉ JOAQUIM, UM CRISTÃO ANÔNIMO

(Do Livro Contos do Entardecer, Capítulo X, de Jansen Leiros – 1983)

Nas últimas décadas do século passado, em afastada cidade do sertão cearense, nascera José Joaquim. Sua mãe era modesta empregada doméstica da casa paroquial. Seu pai, o vigário João Marrecas, tio do grande taumaturgo do Juazeiro.
José Joaquim fora reconhecido pelo padre e logo que terminou o curso primário, foi mandado para a capital a fim de cursar o seminário. Com ele seguiu seu primo, algo mais moço, que se tornaria o foco das atenções do mundo religioso de nosso país, no início deste século, até a década de trinta.
Ao par de algum tempo, morrera seu pai e, como sua mãe não possuía recursos financeiros para custear seus estudos, José Joaquim retorna ao Cariri, sem haver sido ordenado padre secular, porém, tonsurado.
Era jovem ainda. Tornou-se professor de língua latina da pequena escola que lhe deixara o pai e assumiu as responsabilidades da família: sua mãe e uma tia octogenária.
José Joaquim era, na aparência, calmo e comedido. Estudioso e muito inteligente, dedicou-se à pesquisa histórica. Versátil, conhecia além do latim, o grego, o francês e o alemão, o que lhe proporcionava ler seus compêndios no original. Era grande sua inclinação para a filosofia. Leu Platão e Aristóteles, mas preferiu seguir as linhas filosóficas do cristianismo. Há entre os manuscritos que deixou, além das célebres cartas em defesa do padre do Juazeiro, alguns comentários sobre o pensamento filosófico de São Tomás de Aquino. Era profundamente sensível às coisas do espírito. Seu mundo mental era povoado de sonhos platônicos. Seu coração era terno e amoroso, atendendo aos necessitados da alma com um carinho imenso.
Amante da natureza, sua morada bucólica era um autêntico zoo-botânico. Criava quase uma centena de animais de vários tipos, controlava sua reprodução, planejava acasalamentos híbridos criando novas espécies, as quais costumava presentear a outros aficcionados. Chegou a elaborar um catálogo das variedades vegetais da região e cultivava plantas medicinais com as quais preparava medicamentos caseiros, para ministrar aos doentes pobres que atendia.
José Joaquim, a par de suas atividades docentes, dos trabalhos ligados ao seu mundo zoo-botânico, dos estudos de filosofia e religião que o empolgavam, costumava visitar famílias pobres, sondar-lhes as possibilidades, ajudando-as no que lhe era possível. Aqui, conduzia alguém para empregar-se nas fazendas de pecuaristas amigos; ali, estimulava atividades agrícolas, orientando e fornecendo sementes. Acolá, distribuía roupas usadas, conseguidas com famílias abastadas ou remédios para os casos mais graves, quando suas mezinhas não fossem aconselháveis.
José Joaquim era assim, caritativo, bom, amoroso, prestativo, humano, dócil e humilde. Porém, diante da injustiça, levantava-se o advogado tenaz e diligente, palavra fácil e incisiva, na defesa do justo. Era um apóstolo do Bem.
Sua vida, entretanto, de simples e despretenciosa não o projetou na medida se seus méritos e passou por ela quase no anonimato, não fora a defesa que assumiu e fez valer em favor de seu primo, o iluminado taumaturgo do Ceará.
José Joaquim, fora demasiado veemente nas cartas que dirigiu ao bispo, em defesa daquele que se tornaria um ídolo nacional, do que resultou, também, ser marginalizado pela igreja. Cristão convicto, José Joaquim não se incomodou com as acusações que recebera através da diocese, tão pouco declinou em qualquer dos pontos da defesa dos direitos de seu primo, a quem estava ligado por laços de profunda e sólida afinidade.
Os fatos atribuídos ao taumaturgo impressionaram de alguma forma ao professor José Joaquim, induzindo-o a fazer pesquisa e profundos estudos no campo da meta-psíquica e seus efeitos paranormais.
Conhecia toda a região, casa por casa e, com a gente do campo confundia-se pela identidade de costumes e pela capacidade de assimilação de que era possuidor. Com o vaqueiro, falava sua linguagem; com os agricultores, sobre a cultura que desenvolviam, orientando-os; com mecânicos, sobre os processos técnicos utilizados; com religiosos, envolvia-os em sentimentos de fé. Com crianças, tornava-se uma delas, brincava de rodas e cantava canções; contava-lhes histórias, nas quais os elucidava para a vida. Com os velhos, lhes inspirava coragem e confiança, amor pelos semelhantes e pela vida. Junto do pobre, era um permanente defensor de seus direitos; com os ricos, funcionava como mediador, moderando-lhes os arroubos egocêntricos, chamando-os à razão.
Contam que certo dia, José Joaquim tomou conhecimento de que vinham-lhe roubado algumas galinhas. Refletiu um pouco e foi até à despensa da casa. Encheu uma cesta de vime com uma pequena feira, fez um pacote de roupas usadas e escreveu um bilhete: - “Meu irmão noturno. Talvez você esteja precisando, também, de alguns mantimentos. Aí vão diversos. Fiz, ainda, um pacote de roupas usadas, mas que lhe servirão, estou certo, nas noites de frio. Se necessitar de outras aves, pode vir buscá-las. Eu as darei. Obrigado”.
Se o amigo do alheio leu o bilhete, não se sabe, mas levou a cesta e o pacote de roupas, e não voltou a roubar-lhes as galinhas.
De outra feita, quando descia pelo pátio da feira defrontou-se com um vendedor que transportava uns cinqüenta galos de campina, numa gaiola de palitos de coqueiro. Parou diante dele e perguntou o preço dos passarinhos, já com o porta-níqueis na mão. Informado do valor, entregou-lhe dois “patacões” e, ali mesmo, sob os olhares de espanto de quantos presenciavam a cena, soltou os passarinhos. Voltando-se para os circunstantes, falou com um sorriso: - Deus os criou livres. Quem somos nós para prendê-los? E continuou sua caminhada pela vereda da Sé.
Sua vida fora cheia de episódios assim, curiosos, mas que passaram desapercebidos pela sua absoluta simplicidade.
No princípio do século, José Joaquim começou ater visões que a ninguém revelava. Certa feita, quando se deitara, ouviu baterem à porta e foi atender. Eram doze horas da noite. Um homem de estatura mediana, magro, fisionomia lusitana, cabelos brancos, faces coradas e bastante simpático, lhe cumprimentou e, convidado, sentou-se à mesa, repleta de papéis e livros. Com ar sereno, voz pausada, mas firme, falou: - “Temos, entre nós, laços de profunda afetividade, solidificados pelo cadinho do tempo. Estivemos juntos em muitas ocasiões, desde o passado remoto. Juntos, precisamos empreender um trabalho, planejado quando ainda não havias descido ao corpo. Evidentemente, não iremos realizá-lo agora, todavia, precisamos ajustar sintonias, objetivando propiciá-lo no momento oportuno, enfocando os mecanismos da lei de causa e efeito, em execução através dos processos reencarnatórios. Hoje, serão ajustes nos circuitos endócrinos para obtenção de melhor sintonia através dos canais da epífise. Amanhã, a execução da tarefa pelos santificantes processos da inspiração medianímica, no entardecer do ciclo. Tua vida te creditou valores estimáveis. Ressarciste boa parte do teu carma, pelo teu comportamento equilibrado e sóbrio, amoroso e paciente, sensato e ilibado. Em razão de tudo isso, vimos te visitar, por oportuno, e te dizer que chegou o momento de iniciarmos o preparativos de uma nova etapa, quando serão executados nossos projetos. Após o desencarne terá um reconfortante e merecido descanso em colônia de repouso.
No entardecer do século, será o momento de executar a santificante tarefa, dentro dos planos aqui traçados. Todavia, para tanto, necessitamos de tua concordância, pois a lei da vida respeita o livre arbítrio do homem.
José Joaquim não podia conter as emoções daquela hora. Suas lágrimas umedeceram seus olhos e na firmeza de seu olhar, sentia-se a determinação do dever a cumprir. Naquele instante reconhecera o amigo de milênios a abraçou-o comovido.
José Joaquim despertou do transe. Na retina de sua mente, estava clara, muito clara a imagem de seu amigo espiritual.
Depois daquela visão, José Joaquim tornou-se taciturno, passava a maior parte dos dias meditando e orando. A lembrança daquele iluminado amigo o tornava nostálgico, mas feliz pela certeza de que estivera no caminho certo, praticando o “amai-vos uns aos outros”.
Algum tempo depois, no seu zoo-botânico, rodeado de uma natureza que ele próprio ajudou a criar, morrera José Joaquim, com um sorriso nos lábios. Ele já sonhava com o paraíso capelino, perdido na noite do tempo. Seu paraíso, agora, era o Universo de Deus.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

GABRIELA GUERREIRO

DE BRASÍLIA

Um grupo de senadores lançou nesta segunda-feira (15) uma frente suprapartidária de apoio à presidente Dilma Rousseff para o combate à corrupção no Executivo. Os parlamentares se revezam com discursos na tribuna da Casa em apoio à "limpeza" que Dilma promoveu no Ministério dos Transportes, afastando servidores suspeitos de envolvimento em irregularidades.
Depois que a Câmara paralisou os trabalhos em resposta à "faxina" da presidente, os senadores manifestaram apoio à ação de Dilma.
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O senador Pedro Simon (PMDB-RS), idealizador do movimento, pediu que o Congresso se una para permitir que o governo tome medidas anti-corrupção.
"Se, neste momento, nesta segunda-feira, 15 de agosto, um mês histórico, uma semana histórica, que invoca a renúncia do Jânio, a morte do Jango e a legalidade do Brizola, se nessa hora nós tivermos condições de fazer esse movimento, se o presidente Sarney tiver a grandeza de ser presidente do Congresso e os líderes tiverem um pouco mais de humildade, nós podemos iniciar o movimento."
O peemedebista cobrou que Dilma, além focar a "limpeza" nos Transportes, atinja outros partidos que ocupam cargos na Esplanada dos Ministérios.
"Claro que não pode a presidenta fazer apuração em cima do Partido Republicano, em cima do PMDB e não fazer no PT, fazer no PDT, até porque, lamentavelmente, com todo respeito, na composição do governo, nosso amigo Lula exagerou. É muito PT e muito pouco de outros partidos."
Além de Simon, outros senadores também cobraram de Dilma uma "faxina ampla" que abrigue todos os partidos aliados.
"A presidente tem que ter a consciência que a faxina tem de ser completa. Não pode deixar outros partidos, inclusive o meu, o PMDB, sem ser punido. Ela tem de punir. O combate não pode ser leviano", disse o senador Jarbas Vasconcellos (PMDB-PE).
"Pelo menos aqui no Senado a presidente Dilma não vai ficar refém ou vítima de dificuldades. Eu apoio o movimento pela frente suprapartidária de combate a corrupção e impunidade", disse Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR).
O grupo classificou a segunda-feira de "cívica" pela decisão do Senado de reagir às denúncias de corrupção no governo.
Além de governistas, senadores da oposição também manifestaram apoio às medidas anti-corrupção.
"Vamos dizer à presidente que ela conte com uma base parlamentar de defesa, não de seu governo, mas de defesa do Brasil. Enquanto tiver corrupção no Brasil, qualquer governo não terá sucesso. A base parlamentar que deve ser constituída nesta Casa é uma base de defesa do Brasil", disse o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).
FERNANDO, UM PRÍNCIPE SOLITÁRIO

(Do Livro Contos do Entardecer – Capítulo IX – de Jansen Leiros – 1983)

Os jardins do palácio estavam iluminados. Todos os lampiões acesos. Muitas carruagens estacionadas no pátio fronteiriço. O grande salão fora aberto para a festa de noivado de Joanna de Sevilha – filha natural do Rei e uma monja mauritana. Os convidados chegavam em belas carruagens e os jardins pareciam uma aquarela, tais os matizes das ricas toaletes. A alegria era contagiante.
O casamento de Joanna fazia parte do esquema político do Rei, que desejava conquistar toda a península, através dos casamentos de seus filhos – O Rei era pródigo em paternidade. Além de seus nove filhos legítimos, doze eram naturais e a todos assistia com o mesmo carinho paternal, malgrado os comentários maledicentes.
Nos portões da guarda, entretanto, não havia tanta euforia. Dois jovens cavalheiros conversavam algo contrariados. Eram Fernando e Eduardo. O primeiro, barão de Monte-Blanco – um dos filhos naturais do Rei e irmão germano da noiva. O segundo, duque da Mauritânia, sobrinho do Rei. Eles comandavam a guarda do palácio.
Naquela noite, O rei fora avisado de que grupos descontentes com aquele noivado, prometiam estragar a festa. Por essa razão, destacou o filho, então coronel da cavalaria real, para comandar o policiamento do palácio, juntamente com seu primo Eduardo, capitão da guarda, pelo senso de disciplina que possuíam. Essa determinação, entretanto, desagradou a Fernando, que alimentava esperanças de cortejar Isabel, condessa de Porto Saraiva, cuja família fora convidada para a cerimônia do noivado.
Mas, jovem de bom caráter e disciplinado, logo conformou-se com a missão que lhe fora confiada. Ele e Eduardo, então resolveram esgrimir um pouco, para esquecerem o sangue naquela noite fria. E os jardins transformaram-se em palco da belíssima demonstração de suas habilidades com florim.
Fernando era um belo rapaz. Longilíneo, tez morena, cabelos castanho-alourados, olhar muito vivo e penetrante. Personalidade forte, embora fino e educado, inteligente, simpático, insinuante e algo convencido – um autêntico cavalheiro. Perfeccionista por índole, mas diplomático no trato, tornou-se conselheiro do Rei para assuntos político-administrativos, o que lhe assegurou, mais tarde, a nomeação para o cargo de embaixador do reino em países vizinhos.
O que mais se admirava em sua personalidade era a capacidade de ouvir com serenidade qualquer interlocutor e, em seguida, quando lhe concediam a palavra, argüir com tal segurança que chagava a dominar as situações mais difíceis. Sua lucidez impressionava.
Sua beleza máscula tornara-o cobiçado pelos melhores partidos. Seu pai tinha planos para seu futuro, nos quais incluía um casamento com uma princesa italiana, para onde desejava estender os domínios de seu reino. Fernando, porém, somente alimentava sentimentos para a bela Isabelita – a condessa de olhos ternos. Seu amor era sincero e nenhuma outra mulher lhe havia prendido tanto a atenção. Isabel, todavia, não correspondia à sua corte.
Por outro lado, o pai da Isabel não via com bons olhos aquela inclinação de Fernando por sua filha, principalmente porque já a havia prometido ao duque da Áustria, Dom Felipe, troca de certos favores – o casamento beneficiaria à família da noiva. Em face disso, resolvera mandá-la para Castela, depois para Paris, onde residiam parentes seus, evitando que se fortalecessem os laços afetivos de Fernando e que Isabel não lhe resistisse à corte. A condessa viajou, retornando anos depois, casada.
Fernando, além dos óbices naturais que o problema lhe interpunha ao caminho, sentia-se pouco motivado para empreender uma luta pelos seus anseios, porque não estava seguro dos sentimentos de Isabel e ele sabia respeitar as opiniões oponentes com muita nobreza de caráter. Daí, envolveu-se em profunda depressão. Desejou partir para as terras de além-mar, há pouco descobertas. Seria um pioneiro.
O pai demoveu-lhe a idéia de partir, prometendo interceder junto ao pai de Isabel, mas foram debalde os esforços do Rei. Isabel desposara o duque da Áustria, o que valeu à família um título de nobreza – o grande sonho do velho burguês.
Fernando definhava. A vida, para ele, não tinha mais sentido. Suas noites eram povoadas de pesadelos e seus dia tão insípidos que o belo príncipe tornou-se taciturno e apático. Na verdade, Fernando jamais se ligara a ninguém. A vida lhe testaria na solidão, pois outrora abusara das ligações afetivas (essa intuição lhe surgia quase nítida na tela de sua mente). Ele se acabrunhava e sofria. O Rei, que o amava muito, também entristecera e se desdobrou em cuidados paternais.
Fernando isolou-se na mansão campestre da família de sua mãe, aliás, herança sua. Lá, dedicou-se aos estudos filosóficos, passando noite e dia a compulsar pesados compêndios e a corresponder-se com os mais conhecidos pensadores da época. Noutras ocasiões, perambulava pelos campos e cavernas das cercanias, selecionando e colhendo espécies vegetais ou caçando animais silvestres para domesticá-los. Certo dia recebeu a visita da Rainha, esposa de seu pai e a presenteou com um belo casal de faisão, de variedade rara, fruto de acasalamentos por ele controlados. A Rainha ficou tão agradecida que lhe retribuiu com belíssimas sedas, vindas do oriente.
A tristeza, porém, era companheira inseparável de Fernando. Dois anos depois havia definhado tanto, que fora removido quase sem forças para o palácio do Rei, onde veio a falecer. Morrera de tristeza. Toda a corte chorou o desaparecimento daquele jovem de rara beleza, de contagiante simpatia, que a conquistara definitivamente.
Seu espírito escreveu um giro espiral ascendente e, atravessando dimensões, chegou às margens de sereno lago astralino. Sentou-se calmamente na relva macia e olhou o céu. As lembranças desfilavam em sua mente espiritual, projetadas de um passado distante. Surgia-lhe imponente e colossal Capela, reinando em seu sistema, caminhando pelo Universo de Deus, como, um dia, caminhará nosso sol após o entardecer. Seguia-se o exílio: o antigo Egito, a Tessália, a Judéia, as costas da Guiné, as paisagens bucólicas da Península Ibérica, os escaldantes desertos da Arábia. Os acertos e desacertos de suas vidas. A soma de débitos contraídos. Os sofrimentos; suas revoltas; por fim alguns ressarcimentos pela dor. A dor que ensina e elucida as almas.
Sobre as águas tranqüilas do lago, levitavam três entidades luminosas em sua direção. Fernando, reconhecendo a estrela cintilante que se fazia guia e que chegara ali, ergueu-se e abraçou-a comovido. Em seguida, Mirim e Rachel o envolveram em carinhoso amplexo, felizes e radiantes.
Doce e ternamente, falou a Estrela Guia: ION, filho amado! Venceste mais uma etapa. Repudiado em razão dos laços de teu nascimento, com humildade e simpatia conquistaste os corações endurecidos que te aceitaram e te admiraram a personalidade. Foste testado na solidão e não te revoltaste. Foste ferido nos mais puros sentimentos e não te desesperaste. Foste belo e não abusaste da beleza. Foste senhor, mas não tiveste servos, fizeste amigos sinceros e fies que muito te amam. ION, Jesus te abençoa.









segunda-feira, 15 de agosto de 2011


MOHAMED. UM FILÓSOFO MULÇUMANO
                  (Do Livro Contos do Entardecer – Capítulo VIII – de Jansen Leiros – 1983)


As torres das mesquitas faziam contraste com o céu azul e límpido de Córdoba. O domínio muçulmano na península se consolidara e gerações árabe-ibéricas desenvolviam-se naquelas terras de sol quente. A bravura daquela gente marcou época.
Era o ano de 1126 de nossa era. Na mansão do cádi havia um movimento inusitado. Guardas e serviçais iam e vinham agitados nos preparativos de grande festa. Nascera, sob o signo de Peixes, o primogênito Mohammed-ibn-Walid.
Aquele nascimento fora esperado com muita ansiedade, pois o cádi ainda não tinha descendência, o que lhe criaria, no futuro, sérios embaraços à sucessão.
Mohammed era uma criança saudável, inteligente, masculinamente bela. Desde muito cedo demonstrou seus pendores para as artes, principalmente a música, tendo incursionado pelas artes plásticas
Na escola, demonstrou tendências para a matemática e para as ciências, colocando-se entre os mais aplicados. Inquieto e altivo, impunha-se entre os companheiros pela liderança nata de que era possuidor. Sua rapidez de raciocínio e a segurança dos conceitos esposados, sobre quaisquer assuntos, fizeram-no um jovem respeitado e admirado por todos, na velha Córdoba.

Na maioridade, inclinou-se pelos estudos filosóficos, principalmente as teorias de Aristóteles, de cujo sistema tornou-se notável comentarista, havendo publicado inúmeras obras nesse sentido. Amadurecendo suas idéias, chegou a ser influenciado pelo sistema neoplatônico.
Mohammed defendia a harmonia entre a razão e os conceitos religiosos, criando uma teoria que se denominou: da dupla verdade. Evidentemente, esse segmento de seu pensamento filosófico destoava daquilo que ele sentia no interior de seu espírito, mas, polêmico por impulso e de alguma forma orgulhoso de sua erudição, enveredou por caminhos difíceis por amor ao casuísmo, em dissonância com suas tendências interiores, o que, aliás, não chegou a causar-lhe maiores conflitos, tal a versatilidade de que era portador. A teoria da dupla verdade baseava-se na filosofia como forma racional da verdade, quando utilizadas pelas pessoas cultas; e a teoria religiosa como segmento metafórico da verdade, para os que não tivessem erudição. Em razão desses conceitos, Mohhammed suscitou sérias críticas dos filósofos do cristianismo, tendo como maior de seus opositores São Tomás de Aquino.
Sua vida transcorreu em atmosfera essencialmente intelectual. Em sua existência de setenta e dois anos, Mohammed produziu uma vintena de obras versando sobre filosofia, direito e matemática. Suas últimas obras, entretanto, tratavam de medicina, ciência que abraçou com muita dedicação após os quarenta anos de idade. Seus comentários filosóficos, todavia, o tornaram muito conhecido, pois serviram de embasamento aos estudos aristotélicos, da idade média ao renascimento.
O que o levou a dedicar-se aos estudos da medicina foi seu espírito de pesquisa, quase indomável. Amigo que era do Califa Mara-Yussuf, do Marrocos e havendo morrido seu médico particular, Mohammed, na ausência de um substituto que inspirasse a confiança do Califa, entregou-se de corpo e alma às pesquisas naquele campo, tornando-se, em pouco tempo, médico oficial do Califado.
Algum tempo depois foi nomeado cádi de Sevilha e em 1169, com a morte de seu pai, tornou-se cádi de Córdoba por direito hereditário, dinastia muçulmana que durou até a retomada da Península por Fernando de Aragão, o Rei-Católico.
Certa noite, quando a lua deitava seus raios prateados sobre a terra, Mohammed despertou em ambiente astralino e viu-se circundado por três ilustres personagens, vestidos à moda nazarena. Aquele que lhe pareceu mais categorizado, com profunda ternura, o saudou e disse: - ION amado! Quanta alegria. Enfim podes receber os galardões da vitória. Soubeste superar os óbices do caminho. Tiveste o poder e não abusaste dele; manipulaste a sabedoria, mas não se envaideceste a ponto de te prejudicar ou comprometer sua ascensão; enfrentaste dissabores políticos e não te revoltaste. Continua ION. Continua tua tarefa com a mesma disposição e confiança em Deus. Descansa esse final de experiência para, no futuro, iniciares novas etapas, quando Jesus te provará no amor ao próximo, na humildade, na paciência e na resignação, posto que restas ressarcir alguns compromissos do passado, ligados à tua vida afetiva. Deus te abençoe e a todos nós. Desapareceu.
Mohammed despertou daquele sonho com a maravilhosa sensação de paz; era como se regressasse do céu. Veio-lhe, daí, a lembrança nostálgica de um maravilhoso mundo distante e indefinido, perdido no tempo e no espaço, em dimensões alheias à sua percepção.
A neve tingiu de mansinho os cabelos de Mohammed. Ele envelhecera rodeado de pessoas amadas que o queriam com carinho e ternura. Sua presença era requisitada nas mais importantes reuniões da época e sua palavra, cheia de sabedoria e sensatez, era escutada com respeito.
Aos setenta e dois anos, desencarnou Mohammed com um sorriso nos lábios e cercado de luzes cintilantes.



O GUAPORÉ TEM JEITO!
                                   (Pedro Simões Neto)
A Casa grande do Engenho Guaporé, convertido em Museu Nilo Pereira, um dos cartões de visita de Ceará-Mirim, objeto do descaso e da depredação do seu acervo, tem jeito, segundo parecer informal da equipe técnica que a ACLA trouxe do Recife, depois das prospecções realizadas no próprio local.

Os três técnicos, Rozze Domingues e Carlos Ishigami (arquitetos) e Sandra Ishigami (res...tauradora e historiadora), que administram um projeto de restauração da arte sacra pernambucana, avaliado em 30 milhoes de reais, nos apresentaram até um esboço de anteprojeto que prevê a ampliação do sítio histórico, a criação de um "em torno" da casa, sem contar com obras de restauração da casa e da capela.

Detalhe curioso é que o Prefeito Antonio Peixoto, avisado pelo seu serviço de "inteligência", dirigiu-se ao local e lá foi entrevistado pelo arquiteto Carlos Ishigami que gravou todo o depoimento do chefe do executivo municipal.

A pergunta que não quer calar: sendo viável a restauração e o projeto de revitalização desse patrimônio, importantissimo para qualquer iniciativa turística no município, por que ninguém tomou a iniciativa para a sua concretização?

Com a palavra o responsável pelo tombamento e preservação - a Fundação José Augusto - e a Prefeitura Municipal de Ceará-Mirim, vinculada à obrigação de manter o próprio do município.

Vamos prosseguir. Ainda este mês, os orgãos culturais de Macaíba e a ACLA vão pedir uma audiência com a Governadora e a Secretária da Cultura para negociação de alguns projetos de interesse comum, especialmente o do Guaporé, com uma nova formatação.

CEARÁ-MIRIM TEM JEITO. com inteligência, persistência e amor à terra.
 



QUEIRDOS COMPANHEIROS ACADÊMICOS, COMPANHEIOS DE ESTUDOS FILOSÓFICOS E MEUS CONSANGUÍNEOS, AOS QUAIS AMO MUITO E, POR FIM, AOS AMIGOS DO CORAÇÃO.

O PROJETO DIVIINO PARA A CRIAÇÃO DOS SERES HUMANMOS, EM TODA A EXTENÇÃO DOS UNIVERSOS, CONTEMPLOU O MECANISMO DE REPRODUÇÃO DOS SERES COM A PARTICIPAÇÃO DE UM ELEMENTO ATIVO (MASCULINO), UM FEMININO (PASSIVO) E UM TERCEIRO ELEMENTO, FRUTO DO MECANISMO REPRODUTOR. E ESTAVA CRIADA A TRINTADADE PARA TODOS OS SERES. DE FORMA GENÉRICA, HOMENS E ANIMAIS.
É BEM VERDADE QUE O PROCEDIMENTO REPRODUTIVO SE ESTENDE DE MUITAS OUTRAS FORMAS, PORÉM, UM ASPECTO QUE NOS PRENDE A ATENÇÃO É O PRINCÍPIO DOS SENTIMENTOS QUE PROMOVEM O LINK ENTRE "PROCRIADOR" E PROCRIADO", REPLETOS DE AMOR E PROTEÇÃO, QUER SEJA SOB A CARACTERÍSTICA DO INSTINTO ANIMAL, QUERE SEJA PELO DESENVOLVIMENTO DO "EU" ESPIRITUAL QUE ABRIGA ESSES SERES.
A HOMENAGEM AO " P A I ", VIA DE CONSEQÜÊNCIA, É BASICAMENTE UMA HOMENAGEM AO CRIADOR DO UNIVERSO QUE NOS FEZ À SUA IMAGEM E SEMELHANÇA.
AOS PAIS DO UNIVERSO, O PREITO DE AMOR À CRIAÇÃO.

Jansen Leiros





sexta-feira, 12 de agosto de 2011


BENEDITO, UM TERRÍVEL LENHADOR

(Do Livro Contos do Entardecer – Capítulo VII – de Jansen Leiros – 1983)

A paisagem era bucólica. Entre duas colinas, serpenteava um rio de águas mansas, refletindo o raiar do sol que nascia.
Benedito subia o caminho da colina, o passo firma em direção à cabana tosca situada no cimo, ponto central de uma clareira aberta na floresta de cedros.
Naquela época do ano, a temperatura era agradável e as noites frescas e tranqüilas. Ele voltava de um banho reconfortante. Forte, espadaúdo, musculoso até, sua pele era alvo-rosada e seus cabelos, negros como o dos povos ibéricos.
Descendente de família pobre, isolada do convívio social pela natureza da ocupação laboral, Benedito não conhecera os bancos escolares, nem fora conduzido ao catecismo. Era rude. Sua alma, todavia, refletia de quando em vez, a lucidez dos sábios.
Ainda muito jovem, costumava sentar-se aos finais de tarde nas pedras da colina, para apreciar o pôr-do-sol e pensar na vida. Trabalhava muito e suas mãos calejadas diziam da dureza do seu empenho.
Uma vez por ano, a família de Benedito descia à aldeia mais próxima para os festejos do Natal. Numa dessas raras ocasiões, quando já contava dezoito anos, foi sua família convidada para a festa de um aniversário. Colocaram as melhores roupas e já se foi ele, ansioso por viver uma experiência nova. Nunca participara de um baile. Apesar de a festa se realizar na aldeia, os anfitriões convidaram autoridades e alguns aristocratas da zona rural que, por interesses políticos atendiam a esses convites.
A festa estava maravilhosa. Benedito não se continha de feliz, quando à sua frente surgiu encantadora donzela. Filha de pais de descendência francesa, Mônica era refinada e fidalga.
Apesar de sua condição, pelo porte, impressionou à mocinha de olhos ternos e, durante a festa, trocaram sorrisos enamorados. E seria tudo um mar de rosas se a gentil senhorita não fosse vítima do condestável e Benedito um mero lenhador. Mal perceberam as trocas de olhares, a linda criança foi-lhe arrebatada à visão enternecida.
Esse fato, de princípio, não afetou tanto a Benedito, que sabia impossível alcançar aquela graça; mas, na solidão da mata e no triste entardecer, sua alma explodia de revolta por ser pobre e lenhador.
Certa feita, quando descansava na colina, sentiu-se levitar pelas relvas; vestia finas roupas e parecia um cavalheiro da mais tradicional nobreza. Do topo da colina ele viu Mônica que descia flutuando, vestido branco esvoaçante a descrever divina coreografia. Abraçaram-se e trocaram carícias enlevadas por tempo que não conseguiu registrar no cronômetro do coração. De repente, porém, corcéis fogosos surgiram de todas as partes e Mônica foi-lhe arrebatada dos braços do pai enfurecido, drástico que era no cumprimento de suas normas éticas. Acordou.
A revolta crescia a cada instante. Benedito não se conformava com a sorte, não aceitava a pobreza, repudiava a família e culminou por repudiar o pai – por ter sido o veículo de seu nascimento.
Anos se passaram, ele se tornou cada vez mais fechado em si mesmo. Profundamente revoltado, transformou-se em perigoso elemento, agressivo e desorientado. Não podia aceitar a felicidade de quem quer que fosse e todo aquele que a desfrutasse ao seu redor, tornava-se alvo de sua inveja e de seu ódio, quase avassaladores.
A vida transcorria normal nos parâmetros limitados de sua família, embora a presença de Benedito fosse sempre um estorvo, pelo ambiente de tensão que o mesmo provocava.
Com o tempo, tornou-se de profundo mutismo. E, nas raras vezes que participava das conversações familiares, era para explodir em terríveis manifestações e agressividade.
A choupana parecia não resistir às intempéries do inverno. A neve pintava de branco os campos verdes e pousava pesadamente no telhado lodacento. Sentada à frente da rústica lareira, uma senhora esquentava um chá. Seu rosto estava contraído e de seus olhos se podia ver o cintilar do ódio. Ódio pela vida, ódio do mundo. Ódio de todos. A tensão fulminou-o. Morreu de revolta o temível lenhador.
Ainda tonto pelo desencarne, Benedito, jazia ao lado do corpo em decomposição. Alma abençoada, entretanto, dele se aproximou a ultimou o desligamento, cortando-lhe o cordão prateado que o prendia ao plexo solar, libertando-lhe o perespírito. Colocaram-no numa maca muito alva e levaram-no. Num ambiente que parecia um ponto aduaneiro, sob suave luz braço-prateada, um ser quase divino dele se aproximou e ouviu-se com ternura: - ION! ION! Por que te revoltaste tanto? Por que não soubeste aproveitar a grande oportunidade da prova concedida? Perdeste mais uma etapa. Contraíste novos débitos que se somaram com os do passado.
Benedito abriu os olhos e, como a reconhecer a alma amiga que lhe falava com doçura, prorrompeu um convulso pranto: - Deus meu! Sou um miserável. Por que não abri os olhos às lições da vida? Por que meu Deus?
E desmaiou pesadamente.

FARUK, UM SÚLTÃO BÉRBERE

(Do Livro Contos do Entardecer – Capítulo V – de Jansen Leiros – 1983)

Era noite alta, quando os navios muçulmanos abordaram a costa sudoeste da Península Ibérica. Mais de mil homens formavam o exército de Faruk. Pela madrugada, foi dada a ordem de desembarque e horas depois as praias estavam repletas de guerreiros mouros, dispostos à luta.
Faruk, acompanhado de Nasir Ibn Nusayr, seu grande capitão, lançou-se à conquista da Espanha. Era o início do século VIII.
Faruk era um tipo forte, moreno, barba negra e espessa, olhar penetrante e altivo. Rude de índole, era autoritário e impetuoso, atilado e valente. Nascera em Tânger, na região do Marrocos, após sua conquista pelos árabes, no século VII, descendente de família berbere, cujos domínios estendiam-se até o Saara meridional.
Antigo entreposto e colônia romana, Tânger fora conquistada pelos marroquinos que ali instalaram um califado.
Faruk assumiu a governadoria da cidade e traçou projetos de expansão que envolviam toda a Península Ibérica. Aquela invasão era, pois, a execução daquele plano. O poder assomou à cabeça do sultão. Para ele, dominar era um imperativo, um impulso permanente. O mando, a força e o poder eram sua bandeira. Ele não se continha. Disso decorreram-lhe os maiores desmandos: oprimia os vencidos e era desmedidamente cruel nas sentenças punitivas.
Faruk não se casara, mas reuniu um harém de quase quarenta mulheres. Sua lascívia era incontrolável. Chegou a estabelecer um comércio de mulheres, vendendo-as no mercado de escravas. Qualquer uma que lhe desagradasse, providenciaria sua imediata substituição por outra odalisca que lhe inspirasse desejos, ensejando, assim, novas excursões aos acampamentos beduínos, para roubar-lhes as frágeis donzelas.
Certa feita, montando seu maravilhoso cavalo branco, Faruk resolvera invadir, com apenas vinte homens, numeroso acampamento do deserto. A luta travou-se encarniçada e ele terminou ferido pela adaga ágil do inimigo. Mesmo assim, conseguiu escapar, roubando-lhes, entre outras, uma linda mulher de olhos amendoados e de lábios maravilhosamente sensuais. Impetuoso, Faruk invadira, equivocamente, o acampamento do Califa de Córdoba, seu aliado nas lutas da Península. Esse incidente teve as mais desastrosas conseqüências. O Califa, ultrajado, jurou vingar-se. Meses depois, com numeroso exército, invadiu o porto de Tânger, dominou a cidade, forçando Faruk a abandonar às pressas seu suntuoso palácio e refugiar-se nas densas florestas africanas. A mulher roubada era Saabá, predileta do sultão.
Faruk, habilidoso e político, mandou devolver a presa de guerra, apresentando desculpas ao Califa pelo lamentável equívoco. O Califa perdoou e retirou-se da cidade, após honroso acordo de paz e ajuda recíproca, quanto a Península Ibérica.
Mas, faruk apaixonara-se pela odalisca. Seus encantos o enfeitiçaram. Ele teve ímpetos de não devolvê-la; porém, sua estratégia política lhe impunha fazê-lo.
Por outro lado, Saabá também gostara do berbere. Seus arroubos de jovialidade e seus rompantes viris, ativaram sua sensualidade. Ela tomou-se imensa tristeza quando partiu de retorno ao califado.
Muitos anos se passaram depois do fato. Faruk em nada mudara. O comércio de escravas foi intensificado e seu harém aumentado para quase cinqüenta odaliscas. Ele divertia-se nababescamente; suas orgias eram infindáveis, duravam até semanas, mas sua disposição não se abatia.
Necessitando recompor suas tropas, certo dia fora comprar cavalos a famoso criador de Araich e, quando examinava uns lotes reservados, pôs os olhos no mais belo animal que já havia visto em toda a sua vida. Era uma égua árabe de porte altivo e perfeita estrutura, alva como o jaspe. Faruk quis incluí-la nos lotes selecionados, mas o vendedor disse-lhe da impossibilidade de fazê-lo, pois o animal já estava vendido para outro senhor. Inconformado, Faruk resolveu tomá-la à força, invocando sua autoridade. Todavia, o destino estava contra o berbere. Aquele animal havia sido comprado pelo Califa de Córdoba, para presenteá-la a Saabá, sua favorita.
Dias depois, o suntuoso palácio de Faruk era cercado de surpresa, as cavalarias invadidas e os combates travados no próprio pátio interno da governadoria. O tumulto era grande. As tropas do Califa, mais numerosas, dominaram facilmente a situação, prenderam os guardas sobreviventes e ele assumiu o controle da cidade.
Faruk estivera ausente. Suas tropas, que não excediam cem homens, marchavam sem ânimo sob o sol escaldante. Eles retornavam de uma das excursões costumeiras, em busca de escravas. Num povoado próximo de Tânger, faruk fez pousada para alimentar-se e descansar. Nesse instante, recebe a triste notícia de que havia sido destituído das funções governamentais e que o Califa de Córdoba assumira o poder, dominando a cidade.
Indignado, Faruk retomou o caminho, disposto a defender seus direitos. Era noite quando chegou a Tânger. Distribuiu seus homens e, pela madrugada, empreendeu o ataque ao seu próprio palácio para retomá-lo. O Califa, porém, estava bem armado e suas tropas, numericamente superiores. Pela manhã, o chefe berbere já havia perdido a metade de seus homens. Sua ira crescia. Aquilo era a maior das humilhações. Ele rumou como um louco enfurecido, montando seu maravilhoso corcel, na direção da porta principal do palácio e, cavalgando magistralmente, subiu as escadas palacianas na velocidade em que vinha, ultrapassou o salão das audiências e rumou para a sala dos despachos, onde sabia encontrar-se o Califa. Colérico, cimitarra na mão, Faruk emitiu seu grito de guerra e pulou sobre o adversário com a sanha dos demônios. Travou-se uma luta de titãs. Pouco tempo depois, o Califa caía morto pelos golpes certeiros do contendor.
Seus olhos brilharam de imensa alegria pela grande vitória. Vingara-se. Cimitarra numa mão, adaga na outra, Faruk correu para o lado oriental do palácio, onde a luta continuava. Quando chegou à sacada, parou de súbito, abriu demasiadamente os olhos e emitiu um gemido quase surdo. Uma adaga magistralmente atirada, sibilou no ar e atingira-lhe o peito, acertando-lhe o coração. Faruk desabou pesadamente pela sacada, caindo ruidosamente entre os vasos do jardim fronteiriço. Estava morto.
Massa disforme e negra movia-se nas cavernas umbralinas. Parecia uma ameba gigante, girando sobre si mesma, impulsionada pelo vento. Em torno dela, vultos negros pareciam sugar-lhe as últimas energias. Do alto, porém, desciam três focos luminosos. Aproximaram-se suavemente e pararam diante do ser amorfo. Enquanto as luzes iam tomando forma humana, os vultos negros desapareciam assustados. As luzes condensaram-se mais e agora, nítidas, eram um homem e duas mulheres, envoltos em halo de profunda paz. Entreolharam-se e uma delas falou: - Foi terrivelmente vampirizado pelos inimigos do passado tenebroso e pelas vítimas que fez na última encarnação. Há quase duzentos anos vem sofrendo esse processo de desenergização. Precisamos suplicar ajuda para ele. Então, aquele que seria a Estrela Guia, ergueu os braços em prece e falou, súplice e ternamente: - Maria abençoada, apiedate dos infortunados. Socorre esse filho transviado dos caminhos do bem e roga a Jesus por ele, pois mais uma vez desceu aos abismos dos desatinos. Abatido pelos sofrimentos, precisa recompor-se para novas caminhadas. Oh mão amorável, suplicamos tua intercessão. E estendeu as mãos em doação de energia, seguido das duas entidades femininas.
Nas trevas densas do umbral, uma luz intensa se fez. Era Maria que abençoava e atendia àquela súplica fervorosa daqueles corações que tanto amavam. Ananias, Miriam e Rachel deram-se as mãos e oraram contritos, agradecendo a santa presença. A forma moveu-se e, como um ovo gigante, dele eclodiu uma forma humana, débil e sonolenta que acordava de um pesadelo de duzentos de anos, em plena escuridão.
Os três espíritos envolveram-no em reconfortante abraço e deixaram os umbrais, em direção à luz, levando desmaiado o desfigurado Faruk, que receberia de Deus nova oportunidade de recomposição perante a Lei Maior.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

                                     LEVI O LEPROSO


                     (Do Livro Contos do Entardecer – Capítulo IV – de Jansen Leiros – 1983)

Havia verdadeiro tumulto na praça fronteiriça à Sinagoga. Um rapaz que apresentava pouco mais de quinze anos, encontrava-se caído na calçada. Muitas pessoas o cercavam. Um senhor já idoso, tomou-lhe o pulso e falou: - Foi uma lipotímia. Era José de Arimatéia, médico do lugar. Muito forte, colocou o rapaz nos braços e atravessou a praça, acompanhado de pequena multidão de curiosos. Entraram num prédio de portas muito altas e paredes alvas. Era a casa do médico. Horas depois, o rapazola atravessava os umbrais do solar, já refeito ao lado daquele que prestimosamente o atendera. Despediu-se e caminhou para a saída norte da cidade, desaparecendo pela estrada que levava a Betânia.
Levi era um pobre rapaz, filho de um pastor das cercanias. Sua infância fora sofrida. Enfermiço de nascimento, aos três anos tornou-se órfão de mãe, e desta não guardava nenhuma recordação. Suas irmãs mais velhas, Miriam e Rachel, passaram a cuidar dele com muito carinho e fraternal ternura. Todavia, as privações eram sem conta. O velho pastor havia perdido a quase totalidade de seu rebanho: parte pelas epidemias que grassavam pela região, parte pelos roubos freqüentes; e, finalmente, pelos constantes ataques das alcatéias famintas.
A miséria instalara-se naquele lar. Mirim e Rachel ainda muito jovens, dedicaram-se aos trabalhos de tapeçaria para remediar o sustento da família.
Levi cresceu assim, curtindo seu espírito nas dificuldades mais duras, enfrentando toda sorte de adversidades. Seu corpo era débil, esquálido, maçãs pronunciadas, nariz aquilino, olhos nublados pelas lágrimas freqüentes e depressivas.
Aos doze anos em pleno mercado, quase tentava vender alguns tapetes fabricados pelas suas irmãs sentiu-se desfalecer e caiu sem forças sobre as peças que transportava. Os circunstantes lhe atenderam de imediato. Transportaram-no até sua casa, onde as irmãs lhe tentaram reanimar com um caldo quente, desdobrando-se em cuidados e atenções.
Essa foi a primeira de uma série de síncopes que Levi sofreu, até o evento da Sinagoga. Era epilepsia (era a terrível doença de José de Arimatéia não quisera revelar de público, quando lhe atendera frente à Sinagoga). Tal o carma que trazia do passado, em fase de ressarcimento.
Naquele dia, após atendê-lo, José de Arimatéia, espírito humano e lúcido, dera-lhe a condição de procurar os essênios – que já àquela época haviam desenvolvido métodos de cura de epilepsia – a fim de que submetesse às experiências exóticas de seu ritual, objetivando curar-se.
Levi tomou o caminho de Betânia e se foi com o coração cheio de esperanças.
Alguns anos se passaram. Mirim e Rachel tornaram-se duas lindas mulheres, de olhos ternos e traços fidalgos, malgrado as privações que passavam. Dedicavam-se ao lar e ao pobre pai que guardava o leito, moribundo. A resignação de ambas era impressionante. Além disso, eram serenas, humildes no comportamento e nobres nos sentimentos. Uma saldade muito grande, porém, lhes oprimia os corações, pela ausência de Levi, por mais de quinze anos, desde que partira em busca dos essênios.
Naquela época, toda a região comentava a existência de jovem rabi galileu, possuidor de poderes sobrenaturais, que curava aleijados, dava luz aos cegos, limpava leprosos e possuía uma palavra fácil, doce e terna, séria e sábia, incisiva e profunda.
Miriam e Rache, espíritos em fase de aprimoramento de santificantes valores, sentiram-se atraídas a conhecer o já famoso nazareno: foi-lhes acontecimento ímpar. Suas palavras ficaram profundamente gravadas em seus corações e elas, profundamente agradecidas a Deus por esse encontro.
Levi, bem distante, se havia integrado aos costumes essênios. Os ataques epilépticos não o haviam visitado mais. Tudo fazia crer que estivesse curado. Levi, entretanto, trazia consigo as marcas de um passado escabroso, despótico, cruel e avassalador. Muito devia à vida. Assim, cumprindo-se um desígnio de Deus, fora acometido do mal de Hansen. As primeiras chagas lhe surgiram no corpo e rapidamente se multiplicaram.
Levi, vaidoso no íntimo, envolveu-se nos mantos essênios que passara a usar e tendo ouvido falar do Mestre Galileu, resolveu empreender a longa viagem de volta, em busca da cura do corpo.
Miriam e Rachel estavam integradas com numeroso grupo que assistia às pregações do Nazareno. Inclusive, Dele se havia aproximado, tornando-se discípulas muito amadas e fies aos princípios da boa nova.
Certo dia, quando a multidão subia o monte para ouvir o sermão do Galileu, entrou pelo portão norte da cidade, um homem, ainda jovem, cabelos à altura dos ombros, prematuramente grisalhos, manto longo e alvo, escondendo o magérrimo corpo chagado. Passou pela Sinagoga, caminhou pela praça do mercado e dobrou a primeira esquina, encaminhando-se para a modesta casa de Miriam e Rachel. Era Levi que voltava. A casa estava vazia. O pai havia morrido e elas ali continuavam, agora consoladas pela amável doutrina do “Amai-vos”. Ele sentou-se em tosca cadeira e adormeceu.
Alta noite , retornaram Miriam e Rachel, enternecidas e enlevadas com a palavra divina do Mestre. Ao entrarem na casa, surpreenderam-se com a inusitada visita, surpresa transformada em alegria, quando reconheceram Levi, o irmão querido que voltara.
Levi logo entrosou-se no movimento, aderindo à filosofia do Rabi e, sem que se desse conta, o contato com o nazareno fez desaparecer, aos poucos, a repugnante lepra que lhe martirizava o corpo e a alma.
Mas Levi, no inconsciente, sabia que ainda não havia chegado sua redenção. Havia muito do que pagar do passado longínquo.
O tempo caminhando. O Mestre, em andanças pela Judéia. Durante sua ausência, Levi foi acometido de estranho mal, que o prostrou. E, ao cabo de poucos dias, faleceu. A notícia espalhou-se, célere. Seu funeral aconteceu dentro dos costumes hebreus. Ao final das exéquias, Miriam e Rachel retornaram para casa, desoladas e chorosas.
O Nazareno descia a estrada norte, acompanhado de seus discípulos e alguns romeiros. Ao passar pelo portão norte, encontrou Miriam que chorava e abraçou-se a Ele com soluços.
O Mestre, então, encaminhou-se à sepultura. Determinou que fosse removida a pedra e, erguendo os olhos para os céus, balbuciou uma prece.
Diante do assombro da multidão, Levi levantou-se, envolto nas mortalhas de linho e todo o mundo presenciou poder divino do Mestre, a força do Amor Universal do Divino Rabi. A alegria e a emoção tomaram conta da cidade.
Anos depois, morria Levi, desta vez sem ressurreição do corpo. Miriam e Rachel lhe haviam antecedido na viagem.
Despertando após o desenlace, Levi sentiu-se envolvido em carinhoso abraço, num ambiente que era de profunda Paz. Miriam irradiava maravilhosa luz branca; Rachel se iluminava em prece. Do alto, uma chuva de luz prateada precedera e descia de brilhante entidade.
Levi olhou aquele anjo e o reconheceu, caindo aos seus pés em pranto copioso, fruto de incontida alegria. Passando a mão, carinhosamente, sobre sua cabeça, falou-lhe o ser angelical: - ION amado, resgataste pelo sofrimento parte de teu carma. Agora, deverás te preparar para novas experiências, novos testes, difíceis e pesados, que hão de requerer de ti muita coragem e discernimento. Vai, acompanha tuas irmãs, elas serão teus anjos guardiões para novas oportunidades. Jesus nos abençoa.





                             O MENDIGO DE EMAÚS


 
                             (Do Livro Contos do Entardecer – Cap. III – de Jansen Leiros – 1983)


O povo hebreu era ativo. Por isso suas cidades eram movimentadas e o comércio se exercia com muita intensidade. A manhã era de sol e muito cedo a gente já se agitava no mercado, quase em frente à Sinagoga. Como aproximava-se a páscoa, o movimento era ainda maior, com visitantes da zona rural chegando em grupos, quase sempre bulhentos.

À frente do mercado, via-se um homem de aproximadamente vinte e dois anos, tez morena, barba desalinhada e grisalha, rosto magro, olhos muito negros como o ébanos e muito duros. Seu aspecto demonstrava absoluta pobreza. Suas roupas eram velhas e rotas. Sua fisionomia revelava um profundo estado de insatisfação. Era um mutilado.

Nascera sem o braço direito e, na articulação do ombro, saía-lhe uma mão hirsuta, quase em forma de concha, como se houvesse sido colada ao corpo.

Talvez esse aleijão fosse o maior e principal motivo da dureza de seu aspecto.

Abel, seu nome, era um dos três filhos de Bartolomeu. Sua infância havia sido a mais dolorosa que o mundo lhe poderia reservar: os irmãos o discriminavam; o pai considerava-o um inútil para o trabalho; a mãe dizia-o um peso morto – pois também nascera débil, anêmico e sujeito a alucinações.

Quando na primeira infância, tinha pesadelos horríveis, nos quais se sentia perseguido por centenas de seres vingativos. Essas perseguições se seguiam quase que diariamente. Seres hediondos lhe cobravam vidas ceifadas a golpes de espada – daquela espada mortífera e desumana de outrora. E Abel se debatia de modo convulso, até que alguém lhe acordasse do pesadelo. Constantes tais delírios, torturavam duramente o pobre Abel.

Certo dia, quando desceu ao mercado com o pai, surpreendeu-o negociando um emprego com saltimbancos, que desejavam explorar sua deformação como atrativo de seus espetáculos. Isso revoltou tanto o pobre rapaz, que o resultado foi sua fuga de casa, acompanhando mercadores que se dirigiam às cidades vizinhas.

Nessa nova conjuntura, Abel viu-se forçado a lutar pela própria vida e, diante das dificuldades encontradas, terminou por aderir à mendicância.

A revolta lhe crescia dia e noite. Ele não aceitava a condição que a vida lhe impunha. Intimamente tornou-se duro e cruel, repugnando, até, os óbulos que recebia.

Quem o visse perambulando pelas calçadas do mercado, notava-lhe sempre um olhar sisudo e triste, irritado e agressivo. Abel não conhecera a alegria. Seu coração jamais sentira as vibrações da felicidade. Sua vida era assim: um serpentear de sofrimentos.

Certa noite, faminto, Abel assaltou uma pobre mulher a fim de obter comida. Foi preso e encarcerado as prisões fétidas e imundas da cidade.

Esse fato lhe foi profundamente doloroso. Achou-se um lixo humano e sua alma capitulou em lágrimas desvanecidas. Aquela humilhação calou no mais íntimo de si. E curtiu sua tristeza naquele cubículo imundo, convivendo com ratazanas e muitos insetos, deitado na pedra fria do catre.

De tanto desgosto Abel foi definhando e terminou acometido de tuberculose pulmonar. Voltaram-lhe as alucinações. Recordava um mundo distante, do qual seria um cidadão respeitável. Via-se elegantemente vestido, rodeado de convivas alegres e joviais e, no interior de imenso galpão, manipulava pequenas formas vítreas, contendo elementos químicos coloridos. Aquele sonho era nítido como o dia. Ele estava ali e sua participação era importante. Depois de remanejar os instrumentos, que na verdade pareciam instrumentais de imenso laboratório, ele concentrava sua mente em grande tela e projetava a destruição de um edifício cuja arquitetura era indescritível. O efeito da projeção mental era de tal ordem que o edifício ruía em poucos minutos. Houve uma enorme explosão, semelhante às explosões atômicas de nossos dias. O tumulto, grande e generalizado. Aquele mundo pareceu estremecer. Abel atônito, sentiu a extensão da catástrofe que causara por abuso do saber e do poder. Aquele paraíso ficara longe e Abel sentia que o perdera, mergulhado num abismo infindável, no qual descia em redemoinho alucinante. Despertou aos gritos. Somente as ratazanas o escutaram.

Ao sair da prisão, Abel era um espantalho humano.

Numa noite de frio, a hemoptise visitou Abel em plena sargeta e arrancou-lhe o restinho de vida que lhe comandava o corpo débil. As nuvens negras que o rodeavam envolveram-lhe o espírito recém-desencarnado e levaram-no pelos umbrais, com sanha vingativa e cruel.

Centenas de anos transcorreram, de cativeiro e vampirismo. Abel reduziu-se à forma mais elementar do universo astralino.

Certo dia, quando a misericórdia de Deus atendeu os rogos de almas amigas, três luzes braço-azuladas, em sacrificial descenso, acercaram-se daquela massa deforme e, após prece angelical, uma das luzes tomou a forma humana e falou com profunda doçura: - ION! Filho amado, como sofreste! Quantas dores te chagaram a alma! Contigo, sofremos também, mas precisavas carpir tuas faltas pelo muito que devias, tanto quanto ainda deves ao passado de imprecações, de desacertos e de crimes contra às leis da vida. Mas, o Divino Rabi te abençoa. Vem conosco. Serás preparado para nova encarnação, na qual poderás obter tua redenção. Terás um corpo através do qual filtrarás os resíduos pesados de tua alma comprometida; terás um corpo chagado. Viverás novamente sozinho e sofrerás o repúdio de muitos. Porém, o sofrimento te levará à luz do Grande Sol.  

terça-feira, 9 de agosto de 2011

EXILADOS DE CAPELA

Sonho de um Capelino

(Do livro “Contos do Entardecer” – I capítulo - de Jansen Leiros) 1983
Com a rapidez de um átomo em sua órbita, ele atravessou os espaços siderais e repousou, sonolento e desorientado, numa extensa área deserta.

O mundo ao seu redor era estranho, povoado de areias e céu, sol causticante, ventos que assobiavam sinfonias, horizontes ondulados de dunas. Lá, ao longe do espaço cósmico, entre bilhões de estrelas, cintilava a saudosa Capela, na distante constelação do Cocheiro. O tempo não parecia ter dimensões. Era um hoje eterno, ou um presente de nunca acabar – nostalgia, saudade indefinida de quem ou de onde, deprimente e triste. Olhou ao seu redor e tentou racionalizar os pensamentos dispersos, talvez confusos. Na verdade na se situava no tempo. De onde vinha, há quanto tempo estava ali, que lugar era aquele, que era ele próprio. Um halo de profunda depressão se abateu entre aquela figura cansada e sonolenta. Ele adormeceu.
Os aposentos eram de um luxo indescritível. Tudo refletia a luminosidade do ouro. Havia um leito coberto com finos lençóis de linho da alvura do jaspe. Eles também eram ornados com fios dourados. Através das vigias à guisa de janelas, penetravam os primeiros raios da manhã, tingindo de um brilho azulado a negra cabeleira daquele infante adormecido, em cuja face os olhos amendoados compunham um semblante de tristeza.
Aos poucos despertou, girou sobre si mesmo e sentou-se lentamente à margem do leito, puxou um cordel dourado e ao som metálico de uma sineta, surgiram várias aias a lhe render as homenagens do dia, entoando cânticos e louvores. Era um príncipe. Filho do Rei Sol e a ele eram devidas as reverências à sua nobreza.
Aquele sonho repetia-se constantemente e a cada vez uma tristeza mais profunda abatia-se cobre o jovem príncipe que se tornava cada vez mais nostálgico, isolando-se da convivência dos seus. Havia um paraíso distante que um dia fora seu próprio lar; um paraíso que havia perdido por razões que desconhecia.
Naqueles tempos, a Terra ainda vivia os primórdios da civilização e a luta pela sobrevivência se exercia árdua e perigosamente, tanto quanto a do poder, traiçoeira e sangrenta, fazendo do homem uma fera que pensava. Nesse cenário encontrava-se nosso pequeno personagem, minguado e débil, triste e anêmico, nostálgico e deprimido.
As disposições políticas daquele Império impunham-lhe casar-se com a própria irmã para assegurar a sucessão do trono e aos doze anos consorciara-se com grandes e pomposos festejos.
O novo estado não mudou muito o interior daquele espírito atormentado, apesar dos enlevos e meiguices da esposa-irmã, do ambiente de atenções e respeito, de fausto e fidalguia.
Quem o contemplasse não poderia imaginar o sofrimento daquela alma expatriada. No seu interior, de forma inconsciente explodia uma saudade incontrolável de um paraíso distante. No mapa-zodiacal de sua mente ele parecia procurar a longínqua constelação do Cocheiro, onde reinava a majestosa Capela pelos caminhos do infinito.
Na verdade, considerando-se as condições de vida oferecidas naquela estrela de primeira grandeza, naquele sol cintilante, alfa do Cocheiro, a densidade viscosa e pesada da mãe-terra seria, via de conseqüência, insuportável àquela alma que, apesar da ausência de nobres sentimentos, parecia sensível à natureza e seus segredos.
Esse estado de espírito influiria de forma marcante na vida daquele príncipe, que muitos consideravam em razão daquilo, de fraca personalidade, enfermiço e apático, irascível e histérico.
Com a morte de seu pai-sogro, o infante foi alçado à condição de soberano, sob tutela de temíveis sacerdotes que o manietaram, sem que percebessem, no comando do Império.
Naquela época distante, quando a humanidade dividia-se em dois grupos (um mais numeroso, elementar e primitivo – os autóctones; outro bem menor, mas de mente desenvolvida e circunstancialmente senhores da liderança), a classe sacerdotal exercia o controle do poder, através dos soberanos, a quem subrepticiamente induzia com os mecanismos da religião.
Seu antecessor, pai e sogro, fora espírito forte e obstinado e, com certa habilidade, conseguira impor-se à casta templária, implantando uma nova idéia religiosa através da filosofia monoteísta.
Alicerçada nos dogmas plurideístas, a hegemonia da classe sacerdotal foi abalada com a nova filosofia implantada no Império e isso, obviamente, desgostou seus componentes, astutos e perigosos, oportunistas e despóticos, amontinhando-os. Foi nessa convulsão que o “pequeno capelino” assumiu o poder.
Anjos decaídos pelas transgressões às leis divinas, os sacerdotes aglutinaram suas forças para o restabelecimento das condições anteriores que lhes asseguravam a satisfação de propósitos e idiossincrasias naturais ao estado egocêntrico de suas almas.
O débil e novel soberano, apesar de sua origem identificada a daquelas almas proscritas, sentia no inconsciente a intuição de que, para retornar ao paraíso perdido, necessário se fazia mudar o comportamento, reciclar suas posições filosóficas e traçar novos rumos comportamentais, objetivando a paz do espírito que perdera com o exílio.
Numerosos e potentes, estendendo seus tentáculos entre os autóctones ignorantes, que os temiam e a quem estavam subjugados pelas superstições, os sacerdotes facilmente assumiram o comando do Reino.
Conhecendo as fraquezas humanas, iniciaram um processo de estímulo à vaidade e ao orgulho, cujo estado levariam a vítima a um ciclo fechado em torno de si mesmo.
Assim, transformaram aquele príncipe no mais rico de todos os reis das dinastias conhecidas e consequentemente no mais vaidoso, orgulhoso, prepotente e despótico, cumprindo um plano ardilmente preparado pelos condutores templários.
Aquela pobre alma mergulhara novamente nos lençóis negros do comprometimento espiritual, tal a tirania que exerceu seu governo, tal a vaidade que lhe emprestou a riqueza, tal o orgulho pelo poder que exercia.
Mergulhado nesse poço de mazelas espirituais, sentiu-se onipotente e desejou romper o controle sacerdotal, provocando conseqüentes descontentamentos que resultaram na sua morte por envenenamento, aos dezoitos anos.
Era uma bela manhã de janeiro e o sol brilhava no horizonte. Em torno de um leito simples e muito alvo, três serenas criaturas pareciam aguardar que o príncipe despertasse.
Estavam à distância apreciável da atmosfera terrena e via-se o mundo azul, salpicado de nuvens brancas. De repente abriram-se aqueles olhos amendoados. Sondou aquelas presenças e, mais cansado do que surpreso, perguntou quem eram e onde ele estava.
Aqueles seres acercaram-se do leito e um deles falou: - ION! Nós te damos boas vindas. Jesus te abençoa.
O pequeno Capelino, ainda conturbado pelo desencarne recente, sentiu-se flutuar nas ondas daquele sonho, sozinho e isolado num mundo estranho. Fecho os olhos e duas lágrimas rolaram pela face ainda macerada. Então, a voz serena e amiga continuou: - ION! Lamentavelmente não conseguiste vencer as provas que a vida te pediu. Foste fraco e inconseqüente. Deixaste que os impulsos do egoísmo te vencessem e mergulhaste irremediavelmente nos torvelinhos de comprometimentos mundanos. Mas Jesus, amigo incondicional de nossas almas, te ama e te abençoa com nova oportunidade. Enfrentarás novamente o orgulho e a vaidade, o poder e a prepotência. Lutarás contra a impetuosidade e serás testado no amor aos semelhantes.
Vários pontos luminosos circundaram o pequeno ION. Sentindo o enlevo de fluidos balsâmicos, adormeceu tranquilamente e seu espíritos, saudoso do paraíso perdido, entraria em estágio de preparação para nova experiência na carne.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

u r i o s i d a d e s




"Gentileza Gera Gentileza":  
  
Gentileza é um vocábulo que não tem registro no diciorio de muitos.  
Vejam a hisria abaixo. Salvo por ser gentil com os outros........Que lição!!!

Conta-se uma hisria de um empregado em um frigorifico da Noruega.
Certo dia ao rmino do trabalho, foi inspecionar a câmara frigorifica.
Inexplicavelmente, a porta se fechou e ele ficou preso dentro da câmara.
Bateu na porta com força, gritou por socorro mas ninguém o ouviu, todos
já haviam saido para suas casas e era impossível que alguém pudesse escutá-lo.
Já estava quase cinco horas preso, debilitado com a temperatura insuportável.
De repente a porta se abriu e o vigia entrou na câmara e o resgatou com vida.
Depois de salvar a vida do homem, perguntaram ao vigia por que ele foi abrir a
porta da câmara, se isto o fazia parte da sua rotina de trabalho....
 
Ele explicou:
 
- Trabalho nesta empresa há 35 anos, centenas de empregados entram e saem
aqui todos os dias e ele é o único que me cumprimenta ao chegar pela manhã e
se despede de mim ao sair. Hoje pela manhã disse “Bom dia” quando chegou.
Entretanto o se despediu de mim na hora da saída.  Imaginei que poderia ter
lhe acontecido algo. Por isto o procurei e o encontrei...