SOMOS DO TEMPO EM QUE...
Por Francisco de Assis Barros
Somos do tempo em que papel higiênico era quadrado (papel Tico-Tico?). Lembram-se quando o papel higiênico era quadrado? Não confundam com o “papel higiênico tipo-jornal”. Falo daquele comprado em mercearias – também não tínhamos supermercados -, que vinha imprensado entrem dois papelões, lembrando, atualmente, um pacote de guardanapos. Aquele pacote de papel higiênico já vinha com um arame para dependurar na parede.
Somos do tempo em que a revista O Cruzeiro era a preferida. Naquele tempo não existia a variedade de revistas informativas que temos hoje. Mas tínhamos, além de A Cigarra e Realidade, a revista O Cruzeiro, com suas seções: artigos de David Nasser, o Pif-Paf, com textos de Emanuel Vão Gôgo (pseudônimo de Millôr Fernandes), Carlos Estevão, O Amigo da Onça e, na última página, sempre um maravilhoso artigo de Raquel de Queiroz. Ininterruptamente, a revista O Cruzeiro foi editada de 1943 a 1975.
Somos do tempo em que se vendia rolete de cana-de-açúcar (caiana) e amendoim torrado, na porta do cinema. E tem mais, nós podíamos entrar com aqueles produtos e, lá dentro, ficar jogando o bagaço na cabeça dos outros. Lembram-se como eram acondicionados os roletes de cana? Uma taboca aberta e os rolinhos espetados ali.
Somos do tempo em que brincar os carnavais com confetes e serpentinas era normal, e, o que era melhor, tomando muito porre de lança- perfume Rodouro. Tínhamos também o lança-perfume Colombina, mas este não tinha um bom odor. Quem não ia aos bailes com um lencinho no bolso? Quem esquecia o lenço tomava seus porres na manga da camisa mesmo. Qual a marca do lenço? Presidente.
Somos do tempo em que táxi se chamava “carro de praça” e taxista era “motorista de praça”. E os carros de praça eram: Sinca Chambord, Studebaker Street, Buick Roadmaster, Mercoury,DeSoto, Hillmann, Nash, Packard, Dodge, Lincoln, Plimouth Belvedere, Ford Vitória, Aero Willys e até Rural de Willys.
Somos do tempo em que se escrevia de caneta tinteiro, atropelada pela caneta esferográfica. Íamos para o colégio com a nossa caneta tinteiro, que, às vezes, derramava a tinta no bolso e ficava aquela mancha difícil de tirar (posteriormente criaram a Parker Quink, lavável). Portávamos também o tinteiro, para o> caso dela secar e não passarmos vexames. As marcas eram Sheaffer, Compactor (muito popular entre nós), Pilot e a sofisticada Parker 51, depois a 61, mais moderna.
Somos do tempo em que as motos, tipo Scooter, eram apenas duas: Lambreta e Vespa. Ambas de origem italiana tinham seus pneus muito pequenos, o que gerou muitas quedas. Como não havia a obrigatoriedade de usar capacetes, aqueles tombos trouxeram péssimas conseqüências para alguns. A Vespa, para complicar, ainda tinha o motor do lado, o que obrigava o condutor a empenar o corpo para compensar. Atualmente as Scooters estão de volta, mas se observa que agora seus pneus são bem maiores.
Somos do tempo em que andávamos de bonde, marinete e auto-lotação. Natal tinha duas linhas de bondes:> Ribeira/Alecrim e Alecrim/Lagoa Seca. Era um transporte barato e lento, mas muito prazeiroso. A linha Alecrim – Lagoa Seca era muito perigosa para quem andava em pé do lado de fora (era um charme!); como os bondes passavam muito próximos dos postes, muitos marmanjos quebraram as cabeças ali. Porém, o mais gostoso mesmo era saltar do bonde com ele andando.
Somos do tempo em que dávamos corda em relógio de pulso. Nossos relógios ainda não eram automáticos, eram mecânicos e ainda tinham “cabelo”, então, ou se dava corda, sistematicamente, ou eles paravam de funcionar. Os relógios de> categoria teriam que ser made in Suisse, todos com corda manual: Tissot, Omega, Mido, Eternamatic, Seiko. Posteriormente, os mesmos fabricantes suíços criaram o relógio automático, como dizia a publicidade da época: “... com o movimento regular e preciso da âncora de rubis que move todo o relógio de qualidade”.
Somos do tempo em que menino tomava purgante. Tomamos muitos purgantes. Entrávamos de férias e as nossas respectivas mães nos impingiam aqueles terríveis purgativos: batata-de-purga, maná-com-sena, óleo-de-ricino e, os farmacêuticos: Neocitram, Limonada Purgativa, Salamargo e Licor de Cacau Vermífugo Xavier. Eca! Já recuperados de tantas caganeiras, era o momento delas (as mães) nos obrigarem a tomar Iofoscal (para a memória da criança) e Emulsão de Scott (a base de óleo de fígado de bacalhau). Eca, de novo! Quando tossíamos? Phimatosan. Ainda tomamos: Licor de Cacau Xavier, Cibalena, Pílulas de Vida do Doutor Ross, Cafiaspirina, Bromil, Capivarol e Biotônico Fontoura.
Somos do tempo em que as nossas mães, irmãs e, até, namoradas começaram a usar o laquê em spray da Helena Curtis, desobrigando-as de usar pente ou escova durante as festas. Vimos também essas mulheres usarem os seus primeiros cílios postiços e as roupas íntimas da DeMillus, aposentando definitivamente as calcinhas (elásticos ou botões), de tecido (morim ou cambraia de algodão), anáguas, combinações, cintas e sutiãs com enchimento. Usavam também: vestido tubinho, vestido de organdi com a cola de tafetá, calças da Lewis, blusa banlon e saia plissada. Para o embelezamento: Pó de arroz da Cachemere Bouquet, da Coty ou Royal Briar, Rouge, Creme Rugol, Antissardina, Pomada Minâncora e Creme Ponds.
Somos do tempo em que a inflação gerava “carestia”. Ouvimos muito nossas mães falarem na grande carestia e nunca vimos ninguém em pânico com medo de perder o emprego ou o seu patrimônio. Gosto muito de dizer que a “carestia” que os nossos pais enfrentaram era mais branda do que “a inflação” que enfrentamos nos dias atuais.
Somos do tempo em que o nosso banheiro ficava lá no final do quintal da casa, conseqüência: tínhamos que, invariavelmente, utilizar o indefectível urinol. Naquele tempo chamávamos o Demônio de Cão.
Somos do tempo em que a rapaziada só transava com prostituta ou empregada doméstica e usava brilhantina no cabelo: Glostora, Royal Briar, Promesa e Gumex; sapatos Clark, Paso Doble ou Vulcabrás e meia Lupo ou Lobo; após a barba sempre Áqua Velva. Se chovia, usávamos capas e galochas. Naquele tempo os padres rezavam a missa, em latim e de costa para os fiéis, com a mulherada de xale na cabeça.
Somos do tempo em que dançávamos ao som do Trio Los Panchos, Benvenido Granda, Lucho Gatica, Gregório Barros, Orquestras de Waldir Calmon (Feitos Para Dançar nº 1, 2, 3...) e de Perez Prado. O Long Play? Continental, RCA, Rosenblit ou Mocambo. Acompanhamos o nascimento e a morte do Twist. Dormíamos numa cama patente Faixa Azul, o colchão era Probel e os lençóis eram da Santista. Tomávamos Toddy, Ovomaltine e Vic Maltema e combatíamos os insetos com Detefon e chatos com Neocid.
Somos do tempo em que pingávamos no olho Colírio Moura Brasil e Lavolho; tomávamos refrigerantes Crush, Clipper, Grapete (ainda existe) e Guaraná Caçula. Má digestão e azia> eram curadas com Sal de Frutas Eno; nossas bicicletas eram Monark ou Bianchi; colávamos nossas figurinhas com água e farinha de trigo – o famoso grude – ou com Goma Arábica; chupávamos Drops Dulcora, nosso chocolate era Diamante Negro e fumávamos cigarrinhos de chocolate da Garoto.
Somos do tempo em que nossas mães limpavam os móveis com Óleo de Peroba ou Lustrol e lustravam o chão com Cera Parquetina; o sabão em pó era Rinso ou Lux; as suas máquinas de costuras eram: Vigorelli, Singer, Elgin e Leonam (Manoel ao contrário); abanavam o fogo à lenha com a tampa da panela, enquanto usavam a Gordura de Côco Brasil; usavam ovo de madeira para coser meias com Linha Corrente; usavam areia de rio para limpar as panelas (daí o verbo: arear) e anil para clarear as roupas lavadas.
Somos do tempo em que todas as geladeiras eram brancas (lembram-se da Kelvinator?) e todos os telefones eram pretos; todo menino tinha um terninho de marinheiro e tirava fotos com ele (ridículo!); jogavam futebol com bola de capotão (devidamente besuntada com sebo); havia half e center-half, todos de suporte anatômico Big, que chamávamos de sunga (aquela do Gorila), tornozeleiras e os goleiros usava joelheiras.
Finalmente, somos do tempo em que, no futebol, Pelé e Coutinho faziam uma famosa tabelinha. Porém, aí, já seria uma outra história.
Meu Deus! Como o tempo passa rápido!
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