quinta-feira, 2 de junho de 2011

PEIXES MULTIPLICADOS
Jansen Leiros

De longe, via-se a luminosidade, envolvendo nuvens. Era Natal lá pras bandas do nascente, rodeada de dunas. Eu sonhava com ela. Ansiava navegar o Jundiaí, passar por Guarapes e descortinar a velha e austera ponte de Igapó. Ver o Potengi, tranqüilo e gigante na visão de menino – tímido e espantado a segurar a mão de meu pai, meu ídolo.
A lancha se arrastava lenta e, às margens, viam-se os sobrados, ganhando dimensões nos meus olhos, simultaneamente assustados e curiosos. Para mim, Natal era um sonho. Sonhava biscoitos, roletes de cana e bondes barulhentos que me fascinavam. Menino do interior, vir a Natal era um prêmio valioso.
Lembranças minhas. Hoje, sou natalense: por hábito, adoção, livre escolha, sei lá. Namorei com ela – faceira, brejeira. Tive uma rusga e fui embora. Voltei treze anos depois. Encontrei-a mais linda. Dei-me por inteiro.
Amo-a. Vejo-a heroína, sofrida, vilipendiada por alguns, mas resistindo às agressões. Amo-a mais ainda, hoje. E lembro suas tradições sonhando peças de museu, bichadas no tempo. Muitas feneceram. Poucas continuam firmes. Mas ela reage, gerando forças, não sei onde. Talvez, quem sabe, do próprio fatalismo de Sr menina-moça, de sorrir para o sol que nasce, subindo dunas ou desabrochando poesias, na saudosa pena de Myriam Coeli. Romanceada nos versos de Nei Leandro, fica envaidecida. Cresce nos “Quadrantes” de Sanderson Negreiros.
Expande-se no colorido da arte de Dorian Gray e se harmoniza na diversidade, através dos ensaios de Itamar de Souza. Natal teimosa, que luta por preservar valores, por fixar memórias, apesar dos cavalos troianos que lhe são lançados pelos Ulisses da vida. Natal que não descansa nos merecidos louros do Mestre Cascudo, mas que se faz respeitada no trabalho sério do Prof. Américo de Oliveira. Natal que mostra suas habilidades de moça versátil, no dedilhar seguro de Marluze Romano, no talento de Oriano de Almeida ou na garra de Maria Eugênia Maranhão. Natal que se valoriza no denunciar do teatro de Racine Santos ou no lirismo das crônicas de Vicente serejo, Berilo Wanderley e Newton Navarro.
Natal que eclode a despeito de tudo.
Natal que deita raízes pelos tabuleiros a fora, dançando a ciranda do desenvolvimento, quase explosiva.
Natal espacial, deflorando espaços, rasgando véus de ionosferas. Natal que mergulha em oceanos, emergindo como lagostas, camarões, peixes multiplicados.
Natal mística e religiosa, agressiva e irreverente, acolhedora e afetiva. Natal presépio, folclore. Natal que amo: uma tela preciosa, emoldurada por minhas lembranças, cuidada com o carinho do momento. Natal, onde poetas e prosadores, irmanados, cantam-na em coro – madrigal de esperanças.

Nossa Cidade Natal

Crônicas

Publicado em Natal, RN, 1984.

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