sexta-feira, 30 de setembro de 2011

ALMB

ACADEMIA DE LETRAS MUNICIPAIS DO BRASIL



SECSIONAL DE MACAÍBA ( RN )

ACADEMICO - JANSEN LEIROS FERREIRA

PATRONESSE – AUTA HENRIQUETA DE SOUZA



ELOGIO À PATRONESSE:



AUTA DE SOUZA EXPRESSÃO MAIOR DO LIRISMO POTIGUAR



Nos idos de 1955, chegará a Natal para proferir duas palestras, a convite da Federação Espírita do RN, o jovem baiano Prof. Divaldo Pereira Franco.

Por ser macaibense, fui destituindo para à acompanhá-lo à princesa do Jundiaí, um passeio pretendido e ansiado. O jovem orador, então com 25 anos, desejava conhecer o famoso jasmineiro do qual tanto lhe falava a amiga Auta de Souza.

Durante o trajeto, Natal-Macaíba, Divaldo discorreu sobre a grande poetisa norte rio-grandense, estando o retrato espiritual, ele que já era a glória da poesia feminina brasileira e, segundo ele, espírito de escol areolado pela luz da sabedoria e da bondade.

Visitamos o jasmineiro e lá, pudemos sentir a presença luminosa da dulcíssima através dos jasmins que Divaldo colheu com certa emoção.

Ali, comecei a conhecer minha doce conterrânea. Por embatia, a ela me afeiçoei degustando seus lirismos em cada verso. Enamorei-me dela na fluidez de sua poesia.

Na infância, estudara no Grupo Escolar “Auta de Souza” quando o prédio que fora à Casa Nova da Rua do Comércio ainda não havia sido criminosamente derrubado – fruto da implosão de sentimentos mesquinhos. Visão míope de dirigentes aculturados e medíocres. Fora ali, naquele casarão de enormes janelas, que nasceu a expressão máxima do lirismo da terra de Poty, a 12 de setembro de 1876.

No centenário de seu nascimento, de maneira surpreendente, fomos, Waldemar Matoso e eu, levado a receber e aceitar a incumbência de, com alguns amigos, orientar e dirigir uma casa de crianças abandonadas, nesta terra de grandes vultos.

Ao recebermos e legalizarmos a instituição pusemos esse nome: Fundação Lar Celeste “Auta de Souza”.

Em 1984, a Academia de Letras Municipais do Brasil, com sede em São Paulo, nos contemplou com a inclusão de nosso nome em seu quadro social, conferindo-nos o título de ACADÊMICO e o alvitre escolha de um patrono conterrâneo para a cadeira representativa, naquela Casa de Cultura. Não tivemos dúvidas. Auta foi à escolhida. É a patronesse da cadeira municipal. Reforçavam-se nossos laços.

De repente, somos agradecidos com honroso convite para proferir palestras sobre a decantada poeta do sofrimento, de quem tanto nos ufanamos, e aqui estamos felizes, gratificados, cheios de honrarias que nos provocam timidez, mas que sobre tudo nos deixam desejoso de plantar no espírito de cada convite a semente do amor, do respeito e da admiração por esse anjo tutelar que enleva que os corações humanos no cadenciar nostálgico de seus poemas.

Na matriz de Nossa Senhora da Conceição, numa das colunas da Nave principal, encontra-se seu ossário, onde lhe dedicaram o epitáfio: “Longe da mágoa, enfim, no Céu repousa Quem sofreu muito e quem amou demais”.

“A Auta de Souza conhecida era como um perfume de novena trazido num sopro de familiaridade lírica. Menina e moça, levada de casa para o colégio em versos. Plantou um jasmineiro e deixou um livro de saudades que é o Cancioneiro Geral das nossas tristezas”. Assim se expressou Edgar Barbosa no prefácio à obra de Câmara Cascudo, “Vida Breve de Auta de Souza”.

Relembrar a “DULCÍSSIMA”, implica em pintar-se

prioristicamente o cenário de sua curta existência. Palmilhar seus caminhos para viver suas emoções e descobri-la na paisagem social, no bulício da juventude, com os sonhos de donzela, prenhe de desejos humanos, espontâneos, comuns. Sentir sua poesia personalíssima, brotada de um acervo milenar, como água cristalina, nascida da fonte inegostável de seu lirismo.

Parece-nos tarefa muito difícil, interpretar um poeta desse naipe. Explicáveis podem ser os que constroem suas poesias, elaboradas em razão de técnicas, objetivando a consecução de projetos beletristas, onde a erudição se assemelha às máquinas frias e previamente programadas para realizar computações de palavras em combinações psicológicas, na maioria das vezes forçadas, grosseiras, pesadas e escassas da leveza própria do lirismo puro, nascido dos recônditos da alma.

O verso deve ser sentido na extensão de seu recado melódico, sintonizado às percepções do espírito. Por essa razão, confessamos nossa incapacidade para interpretar a obra desse Avatar da poesia ou explica - lá. Porém, vamos tentar seguir-lhe os passos para seguramente nos emocionar com sua melodia, mergulhando nos concertos cósmicos do lirismo aos quais nos enleva.

Do proscênio das notícias pesquisadas, emerge o cenário vivo que enredou o ambiente vivencial da pequena Auta. Neta do vaqueiro-rei Félix do Potengi Pequeno herdou da raça o dom da nostalgia e a têmpera dos que sabem sofrer, coração cheio de esperanças. Magra, pequenina, escura como o jambo, religiosa – filha de Maria - recatada e feminina; doce, meiga terna e sonhadora; olhos negros a derramar carícias pela natureza, amando o jasmineiro que plantou a petizada buliçosa, a família coesa.

Desde cedo, a flauta encantada do lirismo esboçou as primeiras melodias, derramadas em fluxo constante; espontâneas, harmoniosas, doces, românticas, no descanso da chácara do Arraial, na cidade do Recife, para onde fora com os avós e os quatro irmãos, após a morte de sua mãe, Da Henriqueta Leopoldina, usurpada do convivo da família, vitima da tuberculose.

Ali, naquele ambiente bucólico, entre árvores e arbustos, trepadeiras, roseiras e crótons variados, nasciam à exuberante força da criatividade poética daquela que se tornaria um poema vivo, mesmo menina, traquina e cheia de energia, distribuindo seus versos entre suas amigas.

O Mestre Cascudo pinta seu retrato com tintas firmes e graciosas, quando diz: “Gostava de conversar, meter-se nos diálogos de gente grande e também falava sozinha. Falar sozinha era o processo natural para povoar o ambiente, dando expressão, movimento, ação aos jarros de flores, canteiros de jasmins, árvores, trepadeiras, arbustos, bichos do chão, das paredes e dos ares. Além das bonecas de pano, de louça e de barro. Brincar de dona-de-casa. Cozinhando de boneca, com folha picada e água fria, servindo a refeição em caos de porcelana, papel por toalhado, na obrigação de “fazer-de-conta” que se come e elogios a quem fez o banquete. Vez por outra havia uma abstração invencível, ficar parada, mão no queixo, viajando sem sair do lugar, sonhando, como George Sand, em Nohnat, na paisagem verde do Berry”.

Aos sete anos, Auta já escrevia. Estudava rudimentos de francês e desenvolvia o vocabulário, quando nova tragédia abalou a família, vitimando o mano Irineu pelas chamas da explosão de um a família, vitimando o mano Irineu pelas chamas da explosão de um candeeiro de querosene. Continuara seu calvário de amarguras, iniciado com a morte de seus pais e recrudescido com a de seu irmão, no limiar de seus doze anos. Dez anos depois, sua tristeza era musicada num poema, retratando a dor daquele suplício:

“Mas... a gaiola vazia,

Que eu conservo noite e dia,

Não sabem? É o coração...

É dentro dele que mora,

É dentro dele que chora,

A alma de meu irmão!”

De 88 a 90 foi Alina e ganhadora de prêmios escolares no Colégio de São Vicente de Paula, na cidade do Recife, dirigido por professoras francesas. Curso regular e incompleto, interrompido pela tuberculose. Dedicou tanta estima as irmãs professoras que delas não se esqueceu nos créditos do “Horto”: “Às boas irmãs do Colégio da Estância o espírito, ofereço o que há e mais puro nestes singelos versos”.

Segundo seus biógrafos, a literatura infantil a fascinava, embalando os sonhos de menina. Entretanto, era a poesia que emoldurava os momentos de suas alegrias, ou se constituía refúgio nos instantes de mágoa.

Em 1890, Auta retorna a Princesa do Jundiaí. A tuberculose já a havia acometido e sua avó, Dindinha, transformara-se em anjo tutelar, redobrando cuidados e atenções, multiplicando esperanças.

Nesse período, Auta leu muito. Principalmente os franceses: Bossuet, Fenelon, Chateaubriand, Vitor Hugo e Lamartine.

Aos dezessete anos, iniciava seu fluxo perene de poesia. Apesar da doença, “Torna-se moça, airosa, morena, esculpida em póla de sapoti, “cheia de corpo”, graciosa, mais baixa do que alta, com uma voz inesquecível de doçura e musicalidade”, diz o Mestre Cascudo. Inicia uma série de contribuições para os periódicos da época que, coletadas e selecionadas, constituíram os originais de “Dhalias”.

Ao contrário do que se imaginava, Auta era alegre freqüentava festinhas domésticas e dançava quadrilhas e valsas.

No seu ultimo aniversário, setembro de 1900, dançou muito, tendo como par o então estudante, Luís Tavares de Lyra. Nessas festas, em cujos intervalos havia recitativos, as moças diziam seus poemas, tão ao gosto da época, e Auta, nessas ocasiões, fazia delirar quantos a escutasse, tamanho o

magnetismo que fluía de sua verve.

Cingida às prescrições médicas, limitou-se-lhe a liberdade de menina-moça. Passou a ler de tudo. Mergulhava fundo nos livros. Além dos franceses, dos quais se fascinara por Lamartine, lia com certa avidez o grande poeta de “Canção do Exílio” – o indianista Gonçalves Dias – e o irrequieto Luíz Murat, autor de “Ondas” e “Quatro Poemas”. Marco Aurélio, porém em “Pensamentos” parece ter contribuído consideravelmente para fortalecer sua tolerância e desenvolver-lhe o amor à natureza. Daí, conclui-se que para Auta, a dor foi um buril transformando em guia.

Críticos brasileiros da expressão de Nestor Victor, Olavo Bilac, Jackson de Figueiredo, Tristão de Athaíde, Arthur Pinto da Rocha, Agripino Grieco e Luíz da Câmara Cascudo dedicaram-lhe as mais justas considerações. Seu conterrâneo, o acadêmico José Melquíades de Macedo, professor, ensaísta e crítico literário, comparando-a com a festejada poeta de

Massachusetts, Emily Dickson, assim se referiu: “Essa (Emily), Auta jamais conheceu e nem de seus versos fez idéia alguma. Entretanto, coincidentemente,eram emocionalmente de imortalidade ou glória futura”. È a ratificação da tese de que a poesia de Auta era espontânea, gerada na fonte milenar de seus registros ancestrais, como precioso líquido cristalino e puro. Melquíades e Cascudo biografaram, emoldurando suas crônicas-biográficas com a emoção dos enamorados.

Jackson de Figueiredo edita um ensaio magistral sobre a poetisa macaibense, incluindo na Coleção Eduardo Prado – série C. O ensaísta questionava com desassombro a produção literária da mulher brasileira no campo da poesia, dizendo: “A mulher tem revelado na moderna da poesia, brasileira, na maioria absoluta dos casos dignos de nota, uma grande capacidade artística, uma excelente técnica de verso, a segurança mais perfeita de tudo quando é exterior ou, pelo menos, não intrínseco à poesia propriamente; mas é raro que a vejamos revelar uma verdadeira força poética, isto é, é raro que vejamos capaz de comover realmente, de agitar os melhores sentimentos do coração humano”. E prossegue dizendo: “Com raríssimas exceções, a poesia feminina, entre nós, tem mostrado sempre não ter do mundo outra concepção senão a rudimentar concepção que os sentimentos podem dar. Direi mais francamente: tem sido toda essa poesia, de modo mais frio ou mais arrebatado, puro sensualismo, pura embriaguez dos sentidos, gemido ou fria paixão, doloroso murmúrio ou gritos e brutais revoltas do instinto”.

Jackson não exigia da poesia uma linha objetiva de racionalidade ou expressão meramente didática, pois entendia que “a razão não é toda a alma”, mas “que é da alma que deve falar a verdadeira poesia”, sugerindo que ela deva brotar da pura imaginação e da vontade, como queria Long Haye, em Theorise dês Belle Lettres. Porém, o com muita proficiência asseverava que a psicologia dos mais talentosos poemas brasileiros não encontrava a segurança “na vida interior da sua poesia”. A boa obra poética, para ele, não podia prescindir da emoção verdadeira, fruto do “amor como força irradiante e profunda”, combinada a um objetivo superior para produzir emoções dignas da arte.

Assim, quanto à poética, Jackson de Figueiredo via em Auta uma alma cheia de harmonia, delicadeza e sutileza, simplicidade e misticismo, constituindo exceção ás assertivas às poetas brasileiras de sua contemporaneidade.O crítico Nestor Victor, dos mais expressivos, analisou a natureza e o temperamento da mulher poeta, para refleti-los na sua obra. Porém, não chegou a relacionar essa natureza a esse temperamento, para poder sentir as causas íntimas do mecanismo poético de nossa “enternecida cantora”. Fixa-se somente, no limiar de sua dor, quando aduz: “Ela nasce, por conseguinte, para ser o órgão natural do pranto dado a condição de mulher, naquele ninho de filhos sem pais”.

“Do livro de crônicas, editado em 1995 – Macaíba de Cada Um



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