O JOVEM QUE FALAVA COM A NATUREZA
Ibn Val Mihir era um jovem descendente de sírios libaneses que chegaram ao Rio Grande do Norte nos idos do século dezenove. Sua família se havia adentrado pela região dos santos e chegara à cidade de São Tomé, quando o lugarejo ainda era, praticamente, uma vila. Val Mihir, como era conhecido, chegara aos doze anos de idade com aparência daqueles que haviam alcançado o final da adolescência com ares de certa maturidade, tal a seriedade com a qual fazia as coisas, mesmo sendo uma criança. Seu olhar era profundo, às vezes astuto. Parecia enxergar além das aparências e, quando emitia opiniões, ai sim, chamava ainda mais, a atenção das pessoas que o escutavam. Pelo que se sabia, Val Mihir morava com uns parentes paternos e era tido como pessoa de boa convivência, respeitador, obediente e gostava de ler, não os livros da escola, mas aqueles que encontrava no quarto do avô. Porém, aquele menino era esquivo em certas ocasiões. De quando em vez era flagrado sozinho, olhando o céu, como se falasse com o sol, com as árvores ou com os passarinhos, que pareciam não ter medo dele. Nas cercanias da casa do velho Dibi Amir, neto do pioneiro libanês ali chegado e avô de Val Mihir, havia um “Bem te vi” selvagem (Pitangus sulphuratus), “dono” de um espaço aéreo que abrangia uma dúzia de árvores frondosas, que, sempre ao meio dia, pousava num arvoredo próximo àquela casa,. Como se fora, verdadeiramente, domesticado. Val Mihir aproximava-se dele e começava a falar de forma estranha, suave, envolvendo-o em sua magia juvenil, ao que a ave parecia responder com passos coreográficos que mais pareciam gestuália teatral. Lembravam passos de antiga dança ameríndia, onde as asas batiam freneticamente, abrindo o bico, levantando a cabeça e emitindo um canto de sons corridos, melodiosos, harmônicos, nada parecidos com os do canto próprio daquela ave, nossa conhecida. Era uma rica sinfonia, em agradecimento à amizade do jovem. Depois dele, muitas outras aves aderiram ao convívio de Val Mihir.
Chegados seus quinze anos, o avô lhe presenteou uma flauta doce de puríssimo ébano, a qual havia recebido de um antigo ancestral. Ibn Val Mihir, carinhosamente a chamou de “soprata divina” e quase morreu de alegria e passando a soprar e dedilhá-la diariamente, até sentir-se habilitado a executar melodias, que aprendeu em velhos cadernos guardados, desde a infância, pelo querido avô.
A partir daí, Val Mihir e o “Bem te vi”, passaram a formar um dueto. Logo depois, um quarteto e finalmente uma respeitável orquestra, composta por Val Mihir, como solista, com a flauta doce e toda a família daquela ave fantástica, quase humana, de cujo inusitado conjunto, obtinha suavíssima e canora orquestração, infinitamente bela, preciosa, maravilhosa, encantadora, quase paradisíaca.
Certa vez, Val Mihir resolveu dar um passeio numa serra próxima, onde diziam existir algumas nascentes dos rios da região dos santos (São Gonçalo, Santo Antônio, São Pedro, São Paulo, São Thomé, etc) e lá se foi, em busca dessas nascentes.
Para sua surpresa, o “Bem te vi” o acompanhou na caminhada, levando toda a sua família.
Chegando ao topo da elevação, Val Mihir, depois de limpar o entorno de um frondoso e respeitável umbuzeiro, acomodou-se à sombra daquela árvore e foi cercado por sua orquestra alada, como a lhe pedir que começasse a tocar sua tão maviosa flauta doce, marcando sua presença. Ao longo do concerto, Val Mihir percebeu que das águas que formavam os serpenteastes córregos pareciam flutuarem algumas pequenas bolhas cintilantes e, de repente, ouvira-se uma voz que dizia: Venham sempre aqui, tornem poético este recanto de DEUS, a fim de que possamos, embalados com a doce sonoridade dessas músicas, formar os caudais do gigante Potengi, o famoso “rio grande do norte”. Dê-nos essa alegria!
Surpreso com a manifestação das águas, Val Mihir respondeu: Essa é uma grande idéia, mas nós gostaríamos de seguir você, através de seu leito e ir até à sua foz para conhecer o que até agora não conhecemos. Foi então que Val Mihir, encantado com o inusitado, dormiu à sombra daquela árvore, rodeado de sua orquestra alada e foi-se adentrando naquele mundo onírico, volátil como o próprio ar ou mesmo, como o pensamento, visualizando de muito alto, o percurso que as águas faziam, serpenteando a topografia mutante das variadas regiões pelas quais passava. Com a alma desperta naquele novo mundo, Val Mihir encantou-se mais ainda com as maravilhas que surgiam à sua frente e ali estava a cidade de Natal, linda e maravilhosa, cheirando a menina brejeira, cheia de viço e rodeada de pequenos edifícios, dunas majestosas, bulício de gente, de carros, de buzinas e de andorinhas, querendo mergulhar nas ondas. Naquele momento, Val Mihir despertou em seu corpo, com a voz de Dibi Amir dizendo: acorda meu filho, a tarde já está findando. Sua orquestra já se foi. O sol já se despede e pequenos peixes parecem dizer: Eis ai o homem que falou com as águas ou melhor, que falava com a própria natureza.
Jansen dos Leiros
Ibn Val Mihir era um jovem descendente de sírios libaneses que chegaram ao Rio Grande do Norte nos idos do século dezenove. Sua família se havia adentrado pela região dos santos e chegara à cidade de São Tomé, quando o lugarejo ainda era, praticamente, uma vila. Val Mihir, como era conhecido, chegara aos doze anos de idade com aparência daqueles que haviam alcançado o final da adolescência com ares de certa maturidade, tal a seriedade com a qual fazia as coisas, mesmo sendo uma criança. Seu olhar era profundo, às vezes astuto. Parecia enxergar além das aparências e, quando emitia opiniões, ai sim, chamava ainda mais, a atenção das pessoas que o escutavam. Pelo que se sabia, Val Mihir morava com uns parentes paternos e era tido como pessoa de boa convivência, respeitador, obediente e gostava de ler, não os livros da escola, mas aqueles que encontrava no quarto do avô. Porém, aquele menino era esquivo em certas ocasiões. De quando em vez era flagrado sozinho, olhando o céu, como se falasse com o sol, com as árvores ou com os passarinhos, que pareciam não ter medo dele. Nas cercanias da casa do velho Dibi Amir, neto do pioneiro libanês ali chegado e avô de Val Mihir, havia um “Bem te vi” selvagem (Pitangus sulphuratus), “dono” de um espaço aéreo que abrangia uma dúzia de árvores frondosas, que, sempre ao meio dia, pousava num arvoredo próximo àquela casa,. Como se fora, verdadeiramente, domesticado. Val Mihir aproximava-se dele e começava a falar de forma estranha, suave, envolvendo-o em sua magia juvenil, ao que a ave parecia responder com passos coreográficos que mais pareciam gestuália teatral. Lembravam passos de antiga dança ameríndia, onde as asas batiam freneticamente, abrindo o bico, levantando a cabeça e emitindo um canto de sons corridos, melodiosos, harmônicos, nada parecidos com os do canto próprio daquela ave, nossa conhecida. Era uma rica sinfonia, em agradecimento à amizade do jovem. Depois dele, muitas outras aves aderiram ao convívio de Val Mihir.
Chegados seus quinze anos, o avô lhe presenteou uma flauta doce de puríssimo ébano, a qual havia recebido de um antigo ancestral. Ibn Val Mihir, carinhosamente a chamou de “soprata divina” e quase morreu de alegria e passando a soprar e dedilhá-la diariamente, até sentir-se habilitado a executar melodias, que aprendeu em velhos cadernos guardados, desde a infância, pelo querido avô.
A partir daí, Val Mihir e o “Bem te vi”, passaram a formar um dueto. Logo depois, um quarteto e finalmente uma respeitável orquestra, composta por Val Mihir, como solista, com a flauta doce e toda a família daquela ave fantástica, quase humana, de cujo inusitado conjunto, obtinha suavíssima e canora orquestração, infinitamente bela, preciosa, maravilhosa, encantadora, quase paradisíaca.
Certa vez, Val Mihir resolveu dar um passeio numa serra próxima, onde diziam existir algumas nascentes dos rios da região dos santos (São Gonçalo, Santo Antônio, São Pedro, São Paulo, São Thomé, etc) e lá se foi, em busca dessas nascentes.
Para sua surpresa, o “Bem te vi” o acompanhou na caminhada, levando toda a sua família.
Chegando ao topo da elevação, Val Mihir, depois de limpar o entorno de um frondoso e respeitável umbuzeiro, acomodou-se à sombra daquela árvore e foi cercado por sua orquestra alada, como a lhe pedir que começasse a tocar sua tão maviosa flauta doce, marcando sua presença. Ao longo do concerto, Val Mihir percebeu que das águas que formavam os serpenteastes córregos pareciam flutuarem algumas pequenas bolhas cintilantes e, de repente, ouvira-se uma voz que dizia: Venham sempre aqui, tornem poético este recanto de DEUS, a fim de que possamos, embalados com a doce sonoridade dessas músicas, formar os caudais do gigante Potengi, o famoso “rio grande do norte”. Dê-nos essa alegria!
Surpreso com a manifestação das águas, Val Mihir respondeu: Essa é uma grande idéia, mas nós gostaríamos de seguir você, através de seu leito e ir até à sua foz para conhecer o que até agora não conhecemos. Foi então que Val Mihir, encantado com o inusitado, dormiu à sombra daquela árvore, rodeado de sua orquestra alada e foi-se adentrando naquele mundo onírico, volátil como o próprio ar ou mesmo, como o pensamento, visualizando de muito alto, o percurso que as águas faziam, serpenteando a topografia mutante das variadas regiões pelas quais passava. Com a alma desperta naquele novo mundo, Val Mihir encantou-se mais ainda com as maravilhas que surgiam à sua frente e ali estava a cidade de Natal, linda e maravilhosa, cheirando a menina brejeira, cheia de viço e rodeada de pequenos edifícios, dunas majestosas, bulício de gente, de carros, de buzinas e de andorinhas, querendo mergulhar nas ondas. Naquele momento, Val Mihir despertou em seu corpo, com a voz de Dibi Amir dizendo: acorda meu filho, a tarde já está findando. Sua orquestra já se foi. O sol já se despede e pequenos peixes parecem dizer: Eis ai o homem que falou com as águas ou melhor, que falava com a própria natureza.
Jansen dos Leiros
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