-MACAÍBA REVISITADA
CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES
(Da UBE/RN, IHGRN, ALEJURN, INRG, OAB/RN)
Sensibilizado pela singeleza do livro de Osair Vasconcelos – A Cidade que ninguém inventou – dei asas às minhas lembranças e à saudade da terra das macaibeiras onde vivi nos idos de 1948 a 1950, na inesquecível Rua Pedro Velho, cenário telúrico da minha infância, para tecer alguns comentários a esse trabalho, escrito numa linguagem coloquial e também nutrida pela emoção e pela saudade.
De tantas coisas a dizer, fico atropelado pela necessidade de um esforço heróico de resumir fatos e coisas, deixando outros detalhes para breve livro que estou escrevendo – antes que a memória apague.
Fui morador da Rua Pedro Velho, para mim uma soberba avenida, numa casa de janelas altas e parapeito largo onde me acomodava para descortinar a paisagem e as pessoas, pois vizinho à antiga Igreja Protestante, esquina com o Hospital (Maternidade) Público, via a condução de pessoas enfermas em uma cadeira que servia, ao mesmo tempo, como padiola e ambulância.
De lá, contemplava o sítio do Major Andrade de a Igreja ou Capela de São José (que vivia fechada), onde terminava o calçamento e começava uma subida de piçarro e pedras arredondadas, algumas apanhadas por mamãe para fazer ‘leite ferrado’.
Na visão panorâmica da minha janela assisti o desfile de carnavalescos, o caminhão com a alegoria de uma garrafa de cachaça ‘dois tombos’, pois na minha idade era proibido acompanhar o cortejo, ainda mais sendo o filho do Juiz de Direito.
Também era local de alguma apreensão e até terror, pois a Igreja vizinha tinha inúmeras colméias de marimbondos e costumava ser apedrejadas pela intolerância religiosa, principalmente quando por ali passava Frei Damião, não por ordem dele, mas pelo fanatismo atrasado de algumas pessoas. E o terror ficava por conta de uma casa mal assombrada que ficava logo abaixo, em frente à casa de Gutemberg Marinho, irmão de Epaminondas – aquele que um dia constrangeu o seu pai, Senhor Luis Marinho de Carvalho (esposo de D. Emerlinda), respeitável líder espírita de Macaíba e que sonhava com a recepção de alguma entidade por esse seu filho. Um dia, chamado às pressas, fez uma sessão para a incorporação de que parecia estar tomado o dito filho e ao indagar que a entidade se identificasse, Epaminondas respondeu: ’Papai Noel da graça de Deus’. Que decepção!
Falando no sítio do Major Andrade, recordo dos momentos em que tive acesso aos pés de jabuticabas, deliciosamente saboreadas no pé, de onde se avistava o começo de uma pedreira. Desculpem se a coisa não é bem assim, pois quem fala é a lembrança de um garoto nos seus 7/8 anos, cuja visão ofusca a realidade.
Ainda próximo ao sítio, já na entrada da Rua do Gango (Rua Rodolfo Maranhão, meu tio-avô), confluência com a Rua Visconde do Rio Branco e hoje Rua Marcos Mafra eu tinha aulas particulares com a Professora Albaniza. Essa rua era condenada pela sociedade, pois tinha pousada das meninas perdidas, uma das quais ‘Xibiu de Bolão’, a que você se refere no livro. Sabe o porquê do apelido? ... Deixa prá lá...
Nos dias de feira, a esquina do sítio referido e até alcançar a Rua do Gango ficavam os animais que conduziam mercadorias para a feira e, às vezes, uma jumenta no cio despertava o instinto de um burro ou cavalo mais afoito, que iniciava a sua conquista sexual, exibindo aquele ‘prativaite’ por cima das cangalhas, com um relinchado ensurdecedor, espalhando apetrechos e mercadorias pela rua, debaixo dos gritos dos proprietários e aplausos da ‘mundinça’ que adorava o ‘furdunço’, à qual eu pertencia. Os animais eram dominados lá pela frente do Cartório de Seu Aníbal Délio.
Também era na feira, na parte final das barracas, que ficavam os cordelistas, cantando suas loas e suas estórias e histórias num velho microfone de pé, amarrado com uma flanela ‘suja’, mas encantando todos os que passavam e paravam por algum tempo para se deliciar e comprar algum cordel.
Ainda na Rua Pedro Velho tínhamos o velho Pax, com um grande quadro representando o desastre com o balão de Augusto Severo e o não menos antigo Cine Independência, que funcionava com um único projetor, sendo obrigado a interromper várias vezes a sessão para a troca do rolo de filme, sob os assovios e gritos dos expectadores. Nesse cinema existia, perto da tele, um muro que dividia a platéia – era a geral com bancos, onde se alojava a ‘plebe rude’, sujeita a todos os tipos de saliências, desde ‘bufas – daquelas consideradas pqp’ até algum excesso no campo amoroso. Era gostoso ver tudo isso e mais, antecedendo ao espetáculo, os comentaristas dos filmes, com ‘pronúncia estapafúrdia’ dos artistas estrangeiros como Johnny Mac Brown (quase Jone bate bronha), Johnny Weissmuller... viixxee... E as músicas daquele tempo - uma delas que lembro era ‘O despertar da montanha’, no mais eram Luiz Gonzaga, Pedro Raimundo, Augusto Calheiros, o velho Chico, Orlando silva e Nelson e também alguns bregas que começavam a acontecer.
O cinema também se prestava a espetáculos teatrais. A minha irmã Elza, ainda garota dos seus 11/12 anos, trabalhava no conjunto ‘Céu Sereno” com um personagem criado pelo Coronel Libório e se chamava ‘Doutor Rabufetele’, de cuja foto, velha e com o rosto sob maquiagem, foi identificado recentemente pelo historiador Anderson Tavares, descobrindo tratar-se do ator Antônio Leiros, pessoa muito querida na cidade. Sobre ele, colhi a respeito o seguinte testemunho de Wellington Leiros:
“Amigo Carlos, esse é ANTÔNIO LEIROS COELHO, macaibense, boêmio e seresteiro, de uma voz maravilhosa. No teatro, era impagável. Filho de Maria Madalena Gomes Leiros (prima legítima de meu pai José Leiros) e de Francisco Coelho. Morreu afogado, numa praia do nosso litoral, sob o efeito de uma grave perturbação mental. A morte se deu acidentalmente. Consta que escorregou numa barreira, à beira mar (praia de barreira roxa ou barreira d’água, num final de tarde/começo de noite). Deixou viúva e um único filho. Há muito, perdi contato com eles. É o que posso informar. Um forte abraço, W.Leiros”.
Aliás, sobre a minha irmã, ela e eu andávamos de patins pelas calçadas da Rua Pedro Velho, sob os olhares admirados dos meninos, quando então aproveitávamos para trocar algumas palavras em inglês – algumas inventadas, para podermos ouvir os comentários: ‘os filhos do Juiz falam estrangeiro’. Sem maldades, nem menosprezo...apenas coisas de crianças enxeridas.
Passando pelo Mercado, com o seu obelisco em homenagem a Augusto Severo, cercado de correntes, ali ficava pelas 5 da tarde vendo a passagem dos ‘mixtos’ tocando Aza Branca na buzina e esperando a chegada do gazeteiro com os jornais do dia e as revistas em quadrinho das quais era freguês assíduo e me valeu formar, até hoje, a melhor coleção de quadrinhos do Estado, sem modéstia, dentre Almanaques, Super X, Xuxá, Cavaleiro Negro, Roy Rogers, Gene Autry, Rocky Lane, Tarzan – o meu preferido, Vida Juvenil, Vida Infantil, Superman,Família Marvel, Gibi, Guri, Edições Maravilhosas, Álbum Gigante e muitas outras mais. Nos filmes de faroeste havia um personagem constante – o bigodinho, representado pelo eterno bandido Roy Barchoff (o coisa que o valha).
A Rua da Cadeia (na verdade – Rua da Cruz ou, corretamente, Rua Dr. Francisco da Cruz), onde moravam as figuras honoráveis de Alfredo Mesquita e Dona Nair (Valério era ainda um menino buchudo, não aparecia), era o meu caminho para assistir os circos (levando as cadeiras de casa) e do campo de futebol, que ficava visinho ao Cemitério. Ali, quando os jogos demoravam um pouco mais e a noite começava a apontar, se a bola caísse entre os túmulos, ficava difícil de ser encontrada e, sem refletores e com a demora, a noite não esperava e só tinha um jeito – encerrar o jogo, debaixo dos protestos do público.
Particularmente no futebol, torcia pelo Cruzeiro e lembro os nomes de Galamprão – um goleiro de mãos enormes e de Taperoá, que foi protagonista de um episódio casual em que ao limpar uma arma de fogo, a mesma disparou e matou uma pessoa de sua família, parece que a esposa. Mas era um bom homem e deve lhe ter sido feita justiça, pois lembro que depois ele aportou por Natal, como massagista do ABC, salvo engano meu.
Sobre as coisas da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, comandada pelo Padre Chacon, de quem fui coroinha nas procissões e algumas vezes, ajudei nas missas, lembro de que certo dia ajudava em uma novena e na hora em que o Padre mostrou o Santíssimo para ser ungido pelo incenso, eu continuei balançando o turíbulo e o Santíssimo não foi ungido nessa noite. Já as festas, nos lados da Igreja eram magistrais – pau de sebo, pastorinhas dos cordões azul e encarnado, cocais de castanha, farinha de milho em barquinhos de papel salofane, venda de prendas e muita alegria, com algum excesso de ‘birita’.
Costumava fazer currais de gado com os manguitos caídos no chão, espetados em palitos de palha de coqueiro quando ia até o sítio dos Leiros – nem sei onde era!
A praça José Varela e o novo Pax estavam em construção quando deixei Macaíba, mas vim para a inauguração e um churrasco onde homenagearam papai. Nessa noite aconteceu um episódio comigo: a carne estava um pouco dura e eu resolvi parti-la no dente e o garfo escorregou e o pedaço de carne foi cair em cima de uma mesa próxima. Todos olharam indignados, mas era o filho do Juiz e não deu em nada. A minha família é que ainda hoje goza desse fato. Já do rio Jundiaí pouco desfrutei, pois o bom era curtir os mergulhos da ponte, mas isso era proibido para fedelhos como eu, mesmo sendo filho do Juiz.
Só voltei a Macaíba em 1958 para participar de uma eleição em que o meu tio afim Jessé Pinto Freire era candidato e tinha o apoio de Seu Alfredo Mesquita. Foi nessa ocasião que conheci Valério, alto, comprido junto à cadeira do seu pai. A chegada à Macaíba foi com Jansen Leiros e fui para a casa de Seu Aguinaldo. O Jeep que eu dirigia quebrou na estrada, já perto de Macaíba (tinha a placa DM – 1489). Após a chegada, beirando a noitinha, após um banho e o jantar, Jansen me levou a visitar algumas criaturas alegres, numa casa perto da Praça Augusto Varela, parece que ali tinha alguma coisa com a estação de energia. Isso é um passado muito passado, pois sou um homem direito e fiel desde o tempo de noivado. Não achem graça que é verdade!
Depois fui outras vezes e até tínhamos um terreno em Mangabeira. Finalmente, minha última visita foi no dia do falecimento de Dona Nair. Tirei fotografias de alguns pontos que tanto estimei, mas a coisa mudou demais. Não existem mais o Mercado, o velho Pax e o Cine Independência. A casa onde morei ainda existe, o sítio do Major Andrade é um Centro Cultural, a ladeira está calçada, a igreja dos crentes não é mais igreja e o hospital mudou de lugar. Não fui ao Cemitério nem procurei o campo de futebol. Fiquei apenas lembrando das pessoas, do dentista da Rua da Cadeia, de ‘Danga’ (Nássaro Nasser), de dois meninos que faziam caminhões de madeira, com luz e tudo, imitando os ‘mixtos’ daquele tempo. O resto foi saudade, muita saudade mesmo.
CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES
(Da UBE/RN, IHGRN, ALEJURN, INRG, OAB/RN)
Sensibilizado pela singeleza do livro de Osair Vasconcelos – A Cidade que ninguém inventou – dei asas às minhas lembranças e à saudade da terra das macaibeiras onde vivi nos idos de 1948 a 1950, na inesquecível Rua Pedro Velho, cenário telúrico da minha infância, para tecer alguns comentários a esse trabalho, escrito numa linguagem coloquial e também nutrida pela emoção e pela saudade.
De tantas coisas a dizer, fico atropelado pela necessidade de um esforço heróico de resumir fatos e coisas, deixando outros detalhes para breve livro que estou escrevendo – antes que a memória apague.
Fui morador da Rua Pedro Velho, para mim uma soberba avenida, numa casa de janelas altas e parapeito largo onde me acomodava para descortinar a paisagem e as pessoas, pois vizinho à antiga Igreja Protestante, esquina com o Hospital (Maternidade) Público, via a condução de pessoas enfermas em uma cadeira que servia, ao mesmo tempo, como padiola e ambulância.
De lá, contemplava o sítio do Major Andrade de a Igreja ou Capela de São José (que vivia fechada), onde terminava o calçamento e começava uma subida de piçarro e pedras arredondadas, algumas apanhadas por mamãe para fazer ‘leite ferrado’.
Na visão panorâmica da minha janela assisti o desfile de carnavalescos, o caminhão com a alegoria de uma garrafa de cachaça ‘dois tombos’, pois na minha idade era proibido acompanhar o cortejo, ainda mais sendo o filho do Juiz de Direito.
Também era local de alguma apreensão e até terror, pois a Igreja vizinha tinha inúmeras colméias de marimbondos e costumava ser apedrejadas pela intolerância religiosa, principalmente quando por ali passava Frei Damião, não por ordem dele, mas pelo fanatismo atrasado de algumas pessoas. E o terror ficava por conta de uma casa mal assombrada que ficava logo abaixo, em frente à casa de Gutemberg Marinho, irmão de Epaminondas – aquele que um dia constrangeu o seu pai, Senhor Luis Marinho de Carvalho (esposo de D. Emerlinda), respeitável líder espírita de Macaíba e que sonhava com a recepção de alguma entidade por esse seu filho. Um dia, chamado às pressas, fez uma sessão para a incorporação de que parecia estar tomado o dito filho e ao indagar que a entidade se identificasse, Epaminondas respondeu: ’Papai Noel da graça de Deus’. Que decepção!
Falando no sítio do Major Andrade, recordo dos momentos em que tive acesso aos pés de jabuticabas, deliciosamente saboreadas no pé, de onde se avistava o começo de uma pedreira. Desculpem se a coisa não é bem assim, pois quem fala é a lembrança de um garoto nos seus 7/8 anos, cuja visão ofusca a realidade.
Ainda próximo ao sítio, já na entrada da Rua do Gango (Rua Rodolfo Maranhão, meu tio-avô), confluência com a Rua Visconde do Rio Branco e hoje Rua Marcos Mafra eu tinha aulas particulares com a Professora Albaniza. Essa rua era condenada pela sociedade, pois tinha pousada das meninas perdidas, uma das quais ‘Xibiu de Bolão’, a que você se refere no livro. Sabe o porquê do apelido? ... Deixa prá lá...
Nos dias de feira, a esquina do sítio referido e até alcançar a Rua do Gango ficavam os animais que conduziam mercadorias para a feira e, às vezes, uma jumenta no cio despertava o instinto de um burro ou cavalo mais afoito, que iniciava a sua conquista sexual, exibindo aquele ‘prativaite’ por cima das cangalhas, com um relinchado ensurdecedor, espalhando apetrechos e mercadorias pela rua, debaixo dos gritos dos proprietários e aplausos da ‘mundinça’ que adorava o ‘furdunço’, à qual eu pertencia. Os animais eram dominados lá pela frente do Cartório de Seu Aníbal Délio.
Também era na feira, na parte final das barracas, que ficavam os cordelistas, cantando suas loas e suas estórias e histórias num velho microfone de pé, amarrado com uma flanela ‘suja’, mas encantando todos os que passavam e paravam por algum tempo para se deliciar e comprar algum cordel.
Ainda na Rua Pedro Velho tínhamos o velho Pax, com um grande quadro representando o desastre com o balão de Augusto Severo e o não menos antigo Cine Independência, que funcionava com um único projetor, sendo obrigado a interromper várias vezes a sessão para a troca do rolo de filme, sob os assovios e gritos dos expectadores. Nesse cinema existia, perto da tele, um muro que dividia a platéia – era a geral com bancos, onde se alojava a ‘plebe rude’, sujeita a todos os tipos de saliências, desde ‘bufas – daquelas consideradas pqp’ até algum excesso no campo amoroso. Era gostoso ver tudo isso e mais, antecedendo ao espetáculo, os comentaristas dos filmes, com ‘pronúncia estapafúrdia’ dos artistas estrangeiros como Johnny Mac Brown (quase Jone bate bronha), Johnny Weissmuller... viixxee... E as músicas daquele tempo - uma delas que lembro era ‘O despertar da montanha’, no mais eram Luiz Gonzaga, Pedro Raimundo, Augusto Calheiros, o velho Chico, Orlando silva e Nelson e também alguns bregas que começavam a acontecer.
O cinema também se prestava a espetáculos teatrais. A minha irmã Elza, ainda garota dos seus 11/12 anos, trabalhava no conjunto ‘Céu Sereno” com um personagem criado pelo Coronel Libório e se chamava ‘Doutor Rabufetele’, de cuja foto, velha e com o rosto sob maquiagem, foi identificado recentemente pelo historiador Anderson Tavares, descobrindo tratar-se do ator Antônio Leiros, pessoa muito querida na cidade. Sobre ele, colhi a respeito o seguinte testemunho de Wellington Leiros:
“Amigo Carlos, esse é ANTÔNIO LEIROS COELHO, macaibense, boêmio e seresteiro, de uma voz maravilhosa. No teatro, era impagável. Filho de Maria Madalena Gomes Leiros (prima legítima de meu pai José Leiros) e de Francisco Coelho. Morreu afogado, numa praia do nosso litoral, sob o efeito de uma grave perturbação mental. A morte se deu acidentalmente. Consta que escorregou numa barreira, à beira mar (praia de barreira roxa ou barreira d’água, num final de tarde/começo de noite). Deixou viúva e um único filho. Há muito, perdi contato com eles. É o que posso informar. Um forte abraço, W.Leiros”.
Aliás, sobre a minha irmã, ela e eu andávamos de patins pelas calçadas da Rua Pedro Velho, sob os olhares admirados dos meninos, quando então aproveitávamos para trocar algumas palavras em inglês – algumas inventadas, para podermos ouvir os comentários: ‘os filhos do Juiz falam estrangeiro’. Sem maldades, nem menosprezo...apenas coisas de crianças enxeridas.
Passando pelo Mercado, com o seu obelisco em homenagem a Augusto Severo, cercado de correntes, ali ficava pelas 5 da tarde vendo a passagem dos ‘mixtos’ tocando Aza Branca na buzina e esperando a chegada do gazeteiro com os jornais do dia e as revistas em quadrinho das quais era freguês assíduo e me valeu formar, até hoje, a melhor coleção de quadrinhos do Estado, sem modéstia, dentre Almanaques, Super X, Xuxá, Cavaleiro Negro, Roy Rogers, Gene Autry, Rocky Lane, Tarzan – o meu preferido, Vida Juvenil, Vida Infantil, Superman,Família Marvel, Gibi, Guri, Edições Maravilhosas, Álbum Gigante e muitas outras mais. Nos filmes de faroeste havia um personagem constante – o bigodinho, representado pelo eterno bandido Roy Barchoff (o coisa que o valha).
A Rua da Cadeia (na verdade – Rua da Cruz ou, corretamente, Rua Dr. Francisco da Cruz), onde moravam as figuras honoráveis de Alfredo Mesquita e Dona Nair (Valério era ainda um menino buchudo, não aparecia), era o meu caminho para assistir os circos (levando as cadeiras de casa) e do campo de futebol, que ficava visinho ao Cemitério. Ali, quando os jogos demoravam um pouco mais e a noite começava a apontar, se a bola caísse entre os túmulos, ficava difícil de ser encontrada e, sem refletores e com a demora, a noite não esperava e só tinha um jeito – encerrar o jogo, debaixo dos protestos do público.
Particularmente no futebol, torcia pelo Cruzeiro e lembro os nomes de Galamprão – um goleiro de mãos enormes e de Taperoá, que foi protagonista de um episódio casual em que ao limpar uma arma de fogo, a mesma disparou e matou uma pessoa de sua família, parece que a esposa. Mas era um bom homem e deve lhe ter sido feita justiça, pois lembro que depois ele aportou por Natal, como massagista do ABC, salvo engano meu.
Sobre as coisas da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, comandada pelo Padre Chacon, de quem fui coroinha nas procissões e algumas vezes, ajudei nas missas, lembro de que certo dia ajudava em uma novena e na hora em que o Padre mostrou o Santíssimo para ser ungido pelo incenso, eu continuei balançando o turíbulo e o Santíssimo não foi ungido nessa noite. Já as festas, nos lados da Igreja eram magistrais – pau de sebo, pastorinhas dos cordões azul e encarnado, cocais de castanha, farinha de milho em barquinhos de papel salofane, venda de prendas e muita alegria, com algum excesso de ‘birita’.
Costumava fazer currais de gado com os manguitos caídos no chão, espetados em palitos de palha de coqueiro quando ia até o sítio dos Leiros – nem sei onde era!
A praça José Varela e o novo Pax estavam em construção quando deixei Macaíba, mas vim para a inauguração e um churrasco onde homenagearam papai. Nessa noite aconteceu um episódio comigo: a carne estava um pouco dura e eu resolvi parti-la no dente e o garfo escorregou e o pedaço de carne foi cair em cima de uma mesa próxima. Todos olharam indignados, mas era o filho do Juiz e não deu em nada. A minha família é que ainda hoje goza desse fato. Já do rio Jundiaí pouco desfrutei, pois o bom era curtir os mergulhos da ponte, mas isso era proibido para fedelhos como eu, mesmo sendo filho do Juiz.
Só voltei a Macaíba em 1958 para participar de uma eleição em que o meu tio afim Jessé Pinto Freire era candidato e tinha o apoio de Seu Alfredo Mesquita. Foi nessa ocasião que conheci Valério, alto, comprido junto à cadeira do seu pai. A chegada à Macaíba foi com Jansen Leiros e fui para a casa de Seu Aguinaldo. O Jeep que eu dirigia quebrou na estrada, já perto de Macaíba (tinha a placa DM – 1489). Após a chegada, beirando a noitinha, após um banho e o jantar, Jansen me levou a visitar algumas criaturas alegres, numa casa perto da Praça Augusto Varela, parece que ali tinha alguma coisa com a estação de energia. Isso é um passado muito passado, pois sou um homem direito e fiel desde o tempo de noivado. Não achem graça que é verdade!
Depois fui outras vezes e até tínhamos um terreno em Mangabeira. Finalmente, minha última visita foi no dia do falecimento de Dona Nair. Tirei fotografias de alguns pontos que tanto estimei, mas a coisa mudou demais. Não existem mais o Mercado, o velho Pax e o Cine Independência. A casa onde morei ainda existe, o sítio do Major Andrade é um Centro Cultural, a ladeira está calçada, a igreja dos crentes não é mais igreja e o hospital mudou de lugar. Não fui ao Cemitério nem procurei o campo de futebol. Fiquei apenas lembrando das pessoas, do dentista da Rua da Cadeia, de ‘Danga’ (Nássaro Nasser), de dois meninos que faziam caminhões de madeira, com luz e tudo, imitando os ‘mixtos’ daquele tempo. O resto foi saudade, muita saudade mesmo.
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